Disse um celular para outro, cada qual dentro de bolsa feminina à
distância tipo um metro, durante sessão de cinema por volta, assim, tipo
dezoito horas:
“Já que estamos no modo avião, vamos usar nossos
aplicativos piratas e conversar, preciso desabafar com alguém que entenda
minha aflição tipo assim: perdidão na nuvem...”.
“Irado! Pode falar,
mano, somos da mesma marca, mesma geração e operadora. Temos configurações
parecidas e chips e aplicativos compatíveis. Qual é a tua aflição? Afinal
de contas a tua dona é adolescente de família rica, tu dormes entre
travesseiros tipo antigo, recheados com penas de ganso, e viajas em jato
particular do pai dela ou em primeira classe quando em avião de carreira!”
“Assim no chute, acho que o tal do Alzheimer me pegou, ou então assimilei
a doença via tipo ligação hospitalar, ou em download pervertido por
hackers, ou quem sabe, mensagem virótica no “WhatsAPP” enviado pelos
grupos de amigos da Bertta. Ela também se expõe em várias plataformas,
sofre bullying virtual explícito nas redes sociais, pode ser que...”.
“Mas, falando sério, nossos bloqueadores e antivírus são de última
geração. Não é por aí! Você está preocupado com alguma coisa que não dá
pra resolver na base do curativo extraído de aplicativo baixado da nuvem!”
“Ô mano, minha memória recente não consegue acompanhar como antes as
mudanças de telas e digitações da Bertta! De vez em quando me esqueço de
responder a um clique ou anunciar que entrou mensagem no WhatsAPP, e aí
baixo uma tela que não tem nada a ver...!”.
“Ela já examinou se o
carregador da tua bateria não está capenga, ou contaminado com algum
vírus?”.
“Já. Eu carrego rápido, mas o problema é que eu erro mesmo
tipo assim: troco destinatários de chamadas, reenvio mensagens para
contatos já excluídos, ou então me esqueço de anexar uma foto que a Bertta
julga importante...”
“E a tua princesa, digo, a Bertta, o que diz
quando erras?”
“Já aconteceu mais de uma vez, mano, e foi sério! Outro
dia levei um esporro, e ela ainda ameaçou me jogar na caixa coletora de
lixo da calçada em frente ao prédio onde mora... Já imaginou se um morador
de rua me acha? Ou um traficante? Ou um miliciano desses de comunidades
pacificadas? Ou um político com crachá e assento no Congresso Nacional?”
“Mas a Bertta é de difícil trato ou ela te usa pra outras finalidades que
ainda não estão no Google?”.
“Outras finalidades que não estão no
Google? Impossível cara, o Google é o máximo, acho até que é a empresa com
o maior valor de mercado do mundo!”.
“Falo de finalidades tipo
masturbações virtuais, ou tipo vibrador íntimo eletrônico desplugado de
tomadas, ou como medidor do número e da intensidade dos seus orgasmos, ou
ainda como contador de contrações da vulva, de registrador do inchaço e
coloração do clitóris, etc.”.
“Na verdade ela é demais..., usa o nome
Bertta com a consoante “t” dobrada – super na moda após consulta a um
numerólogo de artistas da TV, acho que é pra atrair sorte – puxa baseado
de qualquer origem, cheira pó em sacolé como diria o dicionário falante do
Youtube!”.
“Você não respondeu o que eu queria... Repensa tudo o que eu
perguntei e explica melhor! Mas só com a tua memória de fábrica, sem se
turbinar com aplicativos piratas baixados posteriormente...“.
“Bem, pra
encurtar e não ser imoral demais: a Bertta é super versátil mesmo! De
fato, ela adora um pau, e pau de selfie então nem se fala! Mas ela transa
de todo jeito com rapazes e moças. Basta dizer que ela tem três namorados
e três namoradas, inclusive essa aí, a Tatiana, que segura a bolsa onde tu
estás agora! Então, ô mano, até que eu consiga estabelecer uma sequência
de mensagens, falas e imagens entre Joaquim Maria e Maria Ânggela, entre
Anna Paula e Anna Karenina, ou entre Paulo Robberto e Robberto Carlos,
entre Tatianna, Silvvino e Bertta acabo me enrolando, digo, me
desviando...”.
“Mas a Bertta bota você no pau de selfie e clica fotos
com essa cambada de namorados e namoradas na cama todos de uma vez, ela
não te deixa descansar um pouco, não te desliga nem te recarrega?”
“Isso mesmo, ela abusa de mim, e eu fico enfraquecido, meio grogue e
também... com ciúmes, porque antes ela me dava mais atenção, me massageava
com os dedinhos, mudava minhas telas, baixava aplicativos novos com a
maior paciência, me desligava pra dormir...”.
“Você está precisando é
de um analista”! Onde já se viu um celular ficar com ciúmes dos namorados
e das namoradas de sua dona?”.
“Valeu! Mas é que, a rigor, você já está
sendo meu analista. Nunca falei disso com ninguém, nem com qualquer outro
celular, tablete, i-phone e outros da nossa espécie...
“Então, bota
pra fora tudo de uma vez, eu virei seu analista virtual, porra!”
“Bem,
esqueci-me de dizer que apesar de nós, celulares, tabletes e afins sermos
assexuados, vou te confessar uma coisa: gamei no pau de selfie que a
Bertta ganhou de um amigo japonês! Noite dessas, tipo seis meses passados,
ela adormeceu de cansaço e esqueceu-se de me tirar do pau... foi uma noite
maravilhosa! E porque nunca mais tive noite como aquela é que passei a ter
esses lapsos de memória, e a cometer falhas e erros...”.
“Pera aí!
Descobri o motivo da tua aflição!”
“Irado!”
“Fica tranquilo, mano,
você está protegido pela lei da diversidade sexual, chega de aflição,
relaxa e goza! Seguinte: você deixou de ser celular assexuado de fábrica e
virou celular tipo assim... celular gay – que não consegue dormir, digo,
não consegue desligar nem relaxar sem o aconchego de um pau... mesmo sendo
um pau de selfie!”
Extraído do livro a ser lançado: HISTÓRIAS TIPO ASSIM: “WHATS-au-au-au-APP”
(1º de maio/2016)
CooJornal nº 982
Carlos Trigueiro é escritor
e poeta
Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias".
Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (200ó), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
www.carlostrigueiro.com
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