15/05/2015
Ano 18 - Número 936
ARQUIVO
CARLOS TRIGUEIRO
Venha nos
visitar no Facebook
|
Se publicarmos que “Barriga” é a parte do corpo humano que fica na altura dos
ombros estaremos dando uma “Barriga”, ou seja, notícia falsa, como se diz no
jargão da imprensa, dos jornais e revistas. Pois é isso: “Barriga” todo mundo
sabe que, anatomicamente, é o chamado ventre ou estômago e onde se aloja a
parafernália de órgãos digestivos e afins. Por outro lado, no populacho, todo
mundo entende o que seja uma “pança”.
Mas a sutileza do espírito
criativo tupiniquim aproveita a “Barriga” para enriquecer o idioma com rol de
concepções populares ou apropriadas facilmente por jargões profissionais como,
por exemplo, determinado político da situação pensar que tem o “rei na
barriga”. Claro que quanto à acepção popular “dor de barriga” não há o que
discutir, salvo quando alguém diz que tem “dor de barriga” com medo de alguma
coisa!
Expressões idiomáticas com “Barriga” não faltam no dia-a-dia. Ou
alguém duvida que uma “barrigada” seja o mesmo que “carregar uma barriga”, ou
melhor, falar de mulher grávida. Engraçadas são as expressões “empurrar com a
barriga” que significa não resolver uma questão ou problema, “chorar de
barriga cheia” que é alguém se lamentar sem motivo, ou “chorar na barriga da
mãe” para o caso de fulano ter tudo nos conformes e desejos, ou seja, ser
muito feliz.
De “Barriga” pra cá e pra lá, não é novidade ouvir alguém
dizer que sentiu cãibra na “barriga da perna”, ou que fulana está com “barriga
de seis meses”, ou que fulano está com a “barriga no espinhaço” de tão magro.
No dizer popular, a expressão “tirar a barriga da miséria” é apropriada para
os casos de alguém se aproveitar fartamente de algo de que se privara ao menos
por um tempo. Nosso noticiário político que o diga!
Literariamente,
vemos em “São Bernardo” (Graciliano Ramos) a expressão “ter barriga de ema”
significando “não fazer caso” para observações de outrem. Em Portugal,
“barrigada” pode ser designação de fartura como em “O Sol de Portugal” (de
José Vieira): “ …Os beirões despedem-se dos dias belos, entram nas chuvaradas
de dezembro, festejando o céu limpo… com “barrigadas” de castanha, vinho verde
e o fado.”.
Visto que o Brasil tem dimensões continentais, os
regionalismos influem nas conotações idiomáticas da “Barriga”. No Ceará,
alguém de “barriga-branca” é porque ainda usa calças-curtas, ou, na visão
machista, porque é mandado e dirigido por sua mulher; e se tem a barriga
grande ou inchada é sambudo. Também no Ceará e em outras partes do Nordeste, a
paineira de tronco muito grosso e flores vermelhas que a Botânica define como
Cavanilesia arborea é conhecida, vulgarmente, por “Barriguda”. Já pelo sul do
país, em Santa Catarina, por exemplo, quem nasce naquele estado é
“barriga-verde”. Entre gaúchos interioranos, a morte também se resume na
expressão “encher barriga de corvo”. Já as expressões “barrigueira” ou
“cincha” são faladas em vários rincões do país: é uma peça do arreio que passa
em volta da “Barriga” do cavalo.
A Medicina denomina “Ascite” ou
“Hidropsia abdominal” a enfermidade que no populacho é conhecida como
“Barriga-d’água”. E “Barrigudinho” é como a Zoologia denomina os peixes
teleósteos, ciprinodontes e rivulídeos que são, em geral, larvófagos, e, por
isso, usados pela Saúde Pública. Dizem dicionários e gente humilde que
“Barrigudinho”, no âmbito familiar, também serve para denominar criança,
menino novo.
Seria uma frustração para o leitor (e para o cronista) o
salto sobre a origem da palavra “Barriga”. Pois bem, não tem nada de
extraordinário, pois o vocábulo vem de barrica (pipa, tonel) através do idioma
francês barrique.
E como vivemos época de extrema valorização do
fisiculturismo e da elegância corporal, onde inocentes “pneuzinhos” ladeando a
“Barriga” preocupam os vidrados na estética do corpo, não vamos recomendar
dietas exclusivas de só comer jiló e beber água benta para perder a “Barriga”
em duas semanas, ou em doze seções na academia, ou em sete dias de quase
jejum, a pão, “barriga-de-freira” e meditação, porque disso se encarrega o
“Google” que expõe 642.000 maneiras ou dietas para perder a “Barriga”. A
conferir, porque o leitor atento desde o início deste texto sabe muito bem que
autor que se preza não costuma dar “Barriga”.
Crônica publicada anteriormente no ‘CARTA CAMPINAS
’
(15 de maio/2015)
CooJornal nº 936
Carlos Trigueiro é escritor
e poeta
Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias".
Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (200ó), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
www.carlostrigueiro.com
Direitos Reservados É proibida a reprodução deste artigo em
qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do
autor.
|
|