"De antemão, o significado zoológico de “Mãos”,
segundo o velho “Novo Dicionário Aurélio Século XXI”: Cada uma das extremidades dos membros superiores dos quadrúmanos e
anteriores dos quadrúpedes. Assim como outros significantes que denominam
partes do corpo humano, “Mão” junto a termos específicos molda incontáveis
expressões idiomáticas já autoexplicativas. Portanto, o leitor entenderá, em
primeira “Mão”, variada gama de tais significados sem necessidade de orações
intercaladas, notas esclarecedoras entre parênteses ou no rodapé.
E já com a “Mão na massa”, lembro que os
paleontólogos dizem que a preponderância do homem sobre os demais seres vivos,
começou com a invenção e o uso de ferramentas. E, claro, a ferramenta “Mão”
não foi preciso inventar. “Mão” afagava o bebê pré-histórico, cavava buracos
em busca de água e alimentos, esmurrava inimigos, desenhava em cavernas,
enterrava os mortos, colhia frutos, fazia armas rudimentares, enfim, desde os
primórdios o homem não “abriu Mão” dessa, digamos, ferramenta corporal.
Nos nossos tempos, qualquer estudante de Anatomia
sabe que as nossas “Mãos” são simétricas, dividem-se em carpo, metacarpo e
dedos e por onde passam os importantes nervos radial, mediano e ulnar. Não
sendo especialista em Medicina, não vou “meter a mão em cumbuca”, porém o
amigo leitor também não pode terminar de ler esta crônica e ficar “com as mãos
abanando” ou, na base do populacho, “com uma das Mãos na frente e a outra
atrás”.
Abrindo “Mão” das idiossincrasias de cronista, e
para matar curiosidades sobre outros trânsitos idiomáticos, não pego o rumo na
“contramão”. Ao contrário, “sigo a Mão” do pensamento. Vejam este exemplo “na
palma da mão”: um operário, pintor de paredes, só merece “aperto de Mão”
quando encerradas a “segunda ou terceira deMão” do serviço contratado. Claro
que o contratante não vai “sair na mão” se o pintor ficar só na “primeira deMão”, pois seria mais prudente pedir ao operário voltar as “mãos à obra”. E
para o exemplo não “cuspir na mão” do que foi afirmado, se tudo ficar acertado
entre as partes, aí sim, o contratante da obra poderá “botar a mão no bolso”,
mesmo sendo “mão-de-vaca” e pagar o serviço sem ser “de mão-beijada”.
Dos pontos de vista histórico, religioso, artístico
ou mesmo antropológico, as “Mãos” sempre expressaram valiosos significados em
muitas culturas através dos tempos: “Mãos que curam doentes”, “Mãos que
protegem do Mal”, “Mãos que abençoam”, “Mãos que realizam milagres”, “Mãos que
retratam paisagens, figuras, imagens em telas, monumentos, painéis”, “Mãos que
liberam sons maviosos em instrumentos musicais”. E para não dar a “mão à
palmatória” prosseguiremos “na mão” em que vínhamos.
Nas culturas orientais, por exemplo, encontramos
inúmeras acepções para as “Mãos”. Na linguagem japonesa o “Karatê” significa
“mãos vazias”, ou seja, arte ou luta em que as ”Mãos” não se valem de armas,
instrumentos, ferramentas etc. Na cultura e medicina chinesas há um vasto e
milenar conhecimento sobre os “pontos das mãos” distribuídos por dedos e
palmas e que, se estimulados ou pressionados, podem curar ou amenizar este ou
aquele mal do corpo. Mas tal assunto excede o espaço da crônica porque “enfia
a mão” no terreno da acupuntura –– gama de conhecimentos que abrange
verdadeiro tratado. A milenar
cultura indiana, “de outra mão”, desenvolveu e espraiou mundo afora (desde os
antigos romanos aos povos ciganos), a arte da “quiromancia”, ou o conhecimento
do destino e da vida de uma pessoa através das linhas e sinais de suas
próprias mãos. Até hoje, o curioso que se dispuser a “abrir a mão”,
literalmente, para uma cigana ler o que dizem as “linhas das palmas da sua
mão”, basta querer e pagar pela interpretação daqueles sinais.
As “Mãos” também são indispensáveis e influentes na
“linguagem dos sinais” tanto na comunicação entre deficientes auditivos quanto
entre surdos e ouvintes. Claro que a “linguagem dos sinais” não é universal,
pois varia de lugar para lugar, retratando cultura e regionalismos onde
praticados.
Para não “estender a mão”, nesse chove e não molha,
citamos expressões consagradas que realmente dispensam explicações, e como diz
a galera, tipo: “pediu a mão da moça em casamento”; “quantas mãos perfazem um
jogo de biriba?”; “disputar espaço no ar com cafifa, pipa, arraia ou papagaio
só tem graça se a linha que os empina levar uma boa ‘mão de cerol’”; “ditadura
que se preza tem de governar (Ops!) com ‘mão de ferro’”.
Podemos escolher “A mão e a luva”, romance de Machado de Assis, e a peça
teatral “As mãos de Eurídice”, de Pedro Bloch, para homenagear neste texto
sobre “Mãos”, expoentes literários nacionais. Já no campo esportivo todo mundo
vai se lembrar do Oscar Schmitt, até hoje talvez o mais famoso jogador
brasileiro de basquete, apelidado de “Mão Santa” pela precisão com que
encestava a bola.
Para não encerrar o texto parecendo desconectado com a realidade nacional,
ouvi dizer que a atual “Operação Lava Jato” se inspirou na operação do governo
e justiça italianos, nomeada “Mãos Limpas”, dos anos 1990, que rompeu
gigantesca rede de corrupção envolvendo políticos, partidos, clero,
empresários, banqueiros e, claro, a insidiosa máfia. De outra “mão”, e como
não nos cabe amealhar fatos além do propósito cultural do texto sobre “Mãos”,
convém imitar o gesto milenar do cônsul romano na Judéia, Pôncio Pilatos, que
se absteve de julgar Jesus Cristo, e preferiu “lavar as mãos” –
simbologia e expressão que chegaram aos nossos dias pelas “mãos sagradas” dos
historiadores e escribas.
Crônica publicada anteriormente no ‘CARTA CAMPINAS’
- Comentários sobre o texto podem ser encaminhados ao autor, no email
carlostrigueiro@globo.com
(01 de abril/2015)
CooJornal nº 930
Carlos Trigueiro é escritor
e poeta
Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias".
Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (200ó), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
www.carlostrigueiro.com