No iniciar das luzes de 2015, abordei o tema “CABEÇAS” neste
espaço do RIO TOTAL. Nada mais coerente que, em seguida, aborde aqui
a temática dos “PÉS”, inclusive porque antigo provérbio diz que tudo começa
com o primeiro passo. E ao “Pé da letra”, passo se dá mesmo é com o “Pé”.
A começar pelo significado de unidade de comprimento: um “Pé” equivale a
doze polegadas, e três “Pés” formam uma jarda. Bem, “Pé” cúbico é uma unidade
de volume. Qualquer menino inglês sabe disso desde os primeiros anos
escolares. Em terras tupiniquins o relatório do ENEM dirá melhor, ou, com o
“Pé no saco”, milhares de menores homicidas estarão recebendo medidas
socioeducativas para depois saírem às ruas, já bandidos, maiores e graduados:
“Pé na estrada”!
Do ponto de vista da anatomia, um “Pé” é a extremidade
dos animais terrestres que assenta ao solo e divide-se em tarso, metatarso e
dedos. Sabiam que um “Pé” humano tem 26 ossos?
Óbvio que a principal
função do “Pé” é a locomoção. Mas, cá entre nós, o significante “Pé” tem
incrível multiplicidade de significados quando lhe juntamos certas palavras
formando as tais “expressões idiomáticas” pra lá de conotativas. Vamos ao tema
devagar, ou seja, “Pé ante pé”, e “Com um pé atrás” porque o assaltante vem
armado e quer um “Pé de anjo”.
Se a Polícia prende um ladrão de quinta
categoria, tal meliante é um “Pé-de-chinelo”. Se a prisão for num bar de igual
categoria, o local seria um “Pé-sujo” que dispensa “Pé-de-cabra” para abrir e
fechar portas, pois funcionaria em tempo integral o ano todo, cheio de
“Pés-de-cana”, e onde o “Pé-direito” da construção que encosta no telhado não
resistiria ao menor “Pé-de-vento”, quanto mais a um “Pé d’água”. E seus maus
empregados não seriam dispensados na forma da lei: só com um “Pé-na-bunda”.
Quando um jogador de futebol “perde um gol feito”, a torcida grita que o
cara tem o “Pé torto”. Se acontece, vez e outra, má sorte com determinada
pessoa diz-se logo que é um “Pé frio”. Ao contrário, se sempre acontecem
coisas boas com o mesmo sujeito, dizem que o cara é “Pé quente”.
E
sendo a língua manifestação viva de um grupo social, tem também seus modismos
e, assim, expressões aparecem e desaparecem nem que sejam “ao Pé do ouvido”.
Alguém ouviu falar de que início de namoro já foi começar o “Pé-de-alferes”?
Talvez alguém ainda diga que juntar dinheiro seja fazer o “Pé de meia”, ou que
ganhar um adicional ao salário por trabalhar além do prazo para a
aposentadoria seja receber o “Pé na cova”. De todo modo, um sujeito dedicado
ao trabalho e que hoje é um “Workaholic” já foi um dia chamado de “Pé de boi”.
Na medicina, há uma infecção causada por fungo denominada “Pé de atleta”,
vulgarmente, a “frieira”. Pula daqui pula dali, uma variação do sujeito
alcoolizado, ou seja, do “Pé-de-cana” é um “Pé queimado”. Na vida militar, os
soldados da Infantaria eram chamados de “Pés de poeira”. Não sei se perdura a
tradição entre paraquedistas, chamar o soldado que não saltava dos aviões de
“Pé preto”, pois os paraquedistas autênticos calçavam botas marrons, enquanto
os primeiros só usavam botas pretas. Mas mexer com isso era “entrar em Pé de
guerra.”
Na Literatura nacional era famoso o romance juvenil de José
Mauro de Vasconcelos “Meu pé de laranja lima”. Na esfera religiosa, a
cerimônia do “lava pés” está presente em várias culturas e não só nas cristãs.
E como tudo hoje corre depressa, salvo questões na Justiça brasileira, lembro
que alguém dirigindo automóvel em alta velocidade está com o “Pé na tábua”. E
botando o “Pé” no freio, a malícia feminina não poderia ficar de fora dessas
citações. Daí: rugas na face, perto dos olhos, são os tais “Pés de galinha”.
Quando é esquecido o nome de uma árvore, a lacuna pode ser preenchida pelo
genérico “Pé de pau”. Claro que em botânica doméstica, toda planta é um “Pé”
disso ou daquilo: “Pé de feijão”, “Pé de goiaba”, “Pé de mamão”, “Pé de
maconha”… Opa! “Pé de maconha” resta proibido nestas plagas, e enquanto o seu
uso medicinal não for aprovado e referendado pela vagarosa Justiça (“Pé de
chumbo”) do país continuará sendo um “Pé” ilegal. E quem estiver esperando tal
liberação medicinal e suas variações que se prepare: pode ir primeiro para a
“cidade dos Pés juntos”. Melhor parar por aqui, pois aprofundar-me nisso seria
fechar a crônica no estilo “meter os Pés pelas mãos”.
Crônica publicada anteriormente no ‘CARTA CAMPINAS’
- Comentários sobre o texto podem ser encaminhados ao autor, no email
carlostrigueiro@globo.com
(01 de março/2015)
CooJornal nº 926
Carlos Trigueiro é escritor
e poeta
Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias".
Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (200ó), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
www.carlostrigueiro.com
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