16/08/2023
Ano 26 Número 1.330
ARQUIVO
CARLOS TRIGUEIRO |
(Esquecido na
gaveta no fim da década de 1980, Rio de Janeiro)
O Poder organizado e sistemático,
mormente sob a forma política, militar,
religiosa ou econômica, foi que delineou os
caminhos da civilização até o advento da era
industrial. A predominância de uma forma de
poder sobre as demais ocorreu no tempo e no
espaço conforme as circunstâncias e os meios de
que se valeram as lideranças dos povos para
estabelecer o poder dominante.
Com o
fortalecimento dos modernos estados nacionais e
a massificação dos sistemas produtivos,
emergiram novos tipos de poder, entre eles, o
burocrático e o tecnológico, que substituiriam
no universo socioeconômico a desgastada apologia
"capital versus trabalho" pela crescente pugna
"estado versus empresa".
Nos países
desenvolvidos do mundo livre, o poder político
constitui o aparato que resguarda a essência do
sistema social, cabendo às demais formas de
poder, interagindo-se entre si, exercer os
papéis que lhes cabem na sociedade. Entretanto,
nas áreas subdesenvolvidas, o poder político se
afigura como uma articulação de vários tipos de
poder que estabelecem, coercitivamente, a base,
o mecanismo e o funcionamento do sistema social
como um todo.
Na historia brasileira
recente, registrou-se um tríplice fenômeno: a
ascensão do poder militar e do burocrático; a
decadência do poder político e do religioso
(Igreja Católica) e a transferência do
incipiente poder econômico privado nacional para
a esfera do estado ou das multinacionais. Tendo
em vista a indissolubilidade dos componentes do
fenômeno, gerados intrinsecamente no mesmo
processo histórico, vivemos hoje dentre do
princípio político e municiado por G.C. Field:
"para que qualquer sistema político funcione
devera ser compatível com o sistema econômico em
funcionamento". Ao que na realidade brasileira
corresponde: viver sob um sistema político
imposto pelo estado, sobreviver em um sistema
econômico dependente do estado e conviver num
sistema social pendente do estado.
Os
arautos do governo entrante proclamam uma
gradativa redemocratização do país,
possivelmente com a ressurreição do poder
político, o que implica uma expectativa de
redenção civil, social e econômica pelo que se
fez e pelo que não se fez nos anos nevoentos que
a imprensa relativamente livre cognominou de
"noite institucional".
Mas, concebido o
embrião do poder político na forma dos últimos
pleitos e nos padrões das atuais maquinações
partidaristas, vê-se que os mecanismos
utilizados ainda são incapazes de influir na
dinâmica política, principalmente porque: I)
estão longe de exprimir a representatividade dos
legítimos anseios nacionais; II) não incorporam
as enormes camadas marginais da população ao
cenário de uma efetiva participação política,
econômica e social; III) não renovam os quadros
nem os atores políticos, inexistindo, portanto,
novos acessos de lideranças e ideias à estrutura
do poder; IV) os grupos sociais capazes de impor
uma ideologia favorável às mudanças permanecem
amoldados à nossa singular condição de sociedade
dual: uma parte da população estratificada
segundo o modelo urbano-moderno,
desfiguradamente apolítica, pois vota mas não
elege, e outra - a interiorana, semicolonial -
sob o signo de estruturas arcaicas de produção e
dominação ideológica.
O fato é que não se
pode promover uma situação política,
democraticamente legítima, sem organismos,
lideranças e partidos genuínos, os quais por sua
vez não se formam sem o componente básico da
célula política: o povo - povo com educação e
liberdade de expressão e de escolha.
E
para demonstrar que em matéria de democracia
aqui não se inova, renova ou evolui, vale a pena
reviver algumas palavras de George Washington ao
despedir-se do povo americano em 1796: "A base
de nossos sistemas políticos é o direito do povo
de fazer e alterar suas constituições de
governo. Mas a constituição que vigora em certa
época, até que seja modificada por um ato
explicito e autêntico do povo em conjunto, é
para todos obrigatoriamente sagrada. A ideia
legítima do poder e do direito do povo para
formar um governo pressupõe o dever para cada
indivíduo de obedecer ao poder estabelecido".
Quase dois séculos nos separam desse
manancial de doutrina política. No entanto, o
grande estadista já vislumbrava a força vital da
célula política moderna: o poder do povo; poder
formado, estruturado e sedimentado pelo
"espírito do povo; - "Volksgeist", como denomina
o preciso idioma alemão.
Entre nós,
infelizmente, ainda não há condições de forjar
esse poder, ao menos enquanto o "Volksgeist" for
censurado, instituído ou decretado. Resta-nos
aguardar o lento vaivém dos meandros do Poder.
No Brasil, não custa repetir, infelizmente, que
os interesses particulares dos políticos ainda
se sobrepõem aos legítimos interesses políticos
nacionais.
(Publicado em MEU BRECHÓ DE TEXTOS – Ed.
Imprimatur – 2012 – Rio de Janeiro/RJ)
(07 de junho/2013) RT, CooJornal nº 843
Carlos Trigueiro é escritor
e poeta Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias". Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2000), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
Direitos Reservados É proibida a reprodução deste artigo em
qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do
autor.
|
|