Dos rincões que pisei fora do
Amazonas, nenhum deixou sulcos mais profundos na minha alma que o Ceará. Ainda
reencontro, nos labirintos da memória, galerias de sonhos achados e perdidos
que quase posso tocar, mas se desvanecem como as asas brancas das jangadas que
os meus olhos infantis viam acenar entre dois infinitos...
Praias de esmeralda e água morna, areias em banho-maria, temperadas por
marolas, algaços e queixumes do quebra-mar...
Dunas alvíssimas albergando siris buliçosos e de toca em toca fugidios...
Coqueiros sáfaros - palmas esgrouviadas em adeuses eternos - distendendo o
tronco como se arremedassem o movimento dos arcos tijipiós outrora
dominadores...
Os seriguelas maduros, nos pomares dos quintais, por entre nuvens de folhas
pálidas e que a meninada zurzia no afã de chegar primeiro que os sanhaçus...
A "chuva do caju" abençoando o solo enodoado pela resina viscosa do
cajueiral...
O estalar das castanhas nos fogareiros de boca larga e o fumo que dali se
esvaía sintonizado com a minha imaginação...
Para além dos espigões que a vista alcançava, os sertões se esgoelando ao
céu...
Meu Ceará da cajuína, do murici, do jerimum, dos pajeús e carnaubais, da brisa
contralto no teatro desértico dos juremais...
(Em "Memórias da Liberdade", 1985, Ed. Achiamé, Rio de Janeiro)
(05 de abril/2013)
CooJornal nº 834
Carlos Trigueiro é escritor
Pós-graduado em "Disciplinas Bancárias".
Prêmio Malba Tahan (1999), categoria contos, da Academia Carioca de Letras/União Brasileira de Escritores para “O Livro dos Ciúmes” (Editora Record), bem como o Prêmio Adonias Filho (2006), categoria romance, para “O Livro dos Desmandamentos” (Editora Bertrand Brasil).
RJ
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