Cá estou entre os primeiros alunos da turma na paixão pela jovem Helena,
professora de História. Finjo prestar atenção ao que ela diz, mas, em
verdade, devoro-a com os olhos, com o nariz, com os ouvidos, e com o
semideus que, embaixo do meu uniforme, pulsa.
Somando intuição,
paixão e imaginação, creio que Helena é uma daquelas semideusas das
enciclopédias de papel acetinado que, três vezes por semana, salta
voluntariamente das páginas heroicas da Magna Grécia para a sala de aula.
Hoje, anda com as mãos empoeiradas de giz e esboça no quadro-negro os
caminhos da helenização do Oriente. Desejo-a tanto que finjo me submeter à
espada do seu olhar conquistador.
Mas Helena percebe o meu
fingimento, pois já sabe quanto eu a amo. Meu piscar de olhos, minha
respiração, minha petulância juvenil desvelaram o bárbaro amante que aflora
pelos poros. E tenho certeza de que sabe ler no meu olhar a súplica do aluno
apaixonado: "Quero ser helenizado!"
Então, a semideusa reage com
rubor. Nas suas faces há matizes de cornalina. Helena foge. Claro que a
persigo - nos meus sonhos e devaneios - por entre as figueiras perfumadas
que enfloram ao amanhecer e circundam os burgos coríntios onde ela pisa,
vagueia e flutua. Primeiro, vejo-a com a túnica descaída, seminua. Mais
adiante, sem a túnica, finalmente nua.
Um discreto arrastar de pés me
desperta, acho.
Ruídos estudados perpassam. Na sala de aula, ouço
cochichos. Sim, cochichos de cumplicidade. É hora de prova oral, que em
outros tempos chamávamos de "Arguição". A professora Helena me chama ao
quadro-negro. Hesito, porém, vou. Sinto-me helenizado. Percebo a turma toda
boquiaberta. Aqui e ali um riso pianíssimo. Encabulado, baixo os olhos. De
fato, o semideus que há pouco pulsava dentro de mim agora levita.
(Em
"Ajuste de Contos", Inédito)
(01 de fevereiro/2013)
RT, CooJornal nº 825