26/06/2010
Ano 13 - Número 690

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"Amigo da Cultura"

 


ARQUIVO
BRUNO KAMPEL

 
Bruno Kampel



ISRAEL. PALESTINA. EU. AMOR. POLÍTICA
 

Comentava com a minha namorada (tenho a felicidade de que ela seja muito mais inteligente e analítica do que eu) a abordagem de dias atrás dos navios transportando ajuda humanitária para Gaza, com o resultado de 9 ativistas mortos, e sobre o navio irlandês que além de ajuda humanitária transportava entre outros a uma Prêmio Nobel da Paz, e ambos desenhávamos possíveis cenários. Numa coisa concordamos: Israel não se atreveria a abrir fogo contra este último navio, pois não se tratava de um grupo de palestinos (para o atual governo de Israel, infelizmente palestino é sinônimo de nada, de lixo, de objeto indesejável. Suponho que tenha alguns que sim sejam isso, como suponho que tenha alguns judeus do mesmo tipo, mas a generalização é sempre injusta).

Conversávamos, e ela comentava que o atual governo de Israel jamais fará concessões, porque os atuais membros são representantes de partidos fundamentalistas que receberam o voto majoritário do povo do Estado de Israel, para os quais o Grande Israel é a meta (o Israel bíblico, onde Jordânia, Líbano, Síria e Iraque são parte da terra prometida por deus).

Parece coisa de doidos?.... É. E esses “doidos” governam hoje o Estado de Israel.

Partindo dessa premissa, há um fato que minha namorada definiu muito bem: a posição de Israel é uma decisão absolutamente política. Não se trata de um movimento tático, mas da essência do ideário daqueles que hoje governam.

O mais curioso de todo este caso, é a hipocrisia da Europa, que fica indignada publicamente com cada ato (lembremos da invasão de Gaza), rasgando-se as vestiduras. Mas eles, todos, incluindo os Estado Unidos, sabem que a extrema direita que governa Israel não mudará a sua política nem que a vaca tussa. E aqui uso outra vez as palavras da minha inteligentíssima namorada: o governo de Israel toma decisões políticas a despeito do que achar ou deixar de achar o mundo inteiro, porque eles se consideram os implementadores da vontade divina, e contra esse tipo de dogma de fé, de cegueira, de autismo, não tem Obama que valha. Aliás, hoje em Israel Obama tem menos seguidores que um time de terceira divisão de Honduras. Os oito anos de Bush ajudaram a aniquilar quase que completamente o pouco bom senso até então imperante.

Perguntei a ela o que achava que aconteceria, e me respondeu com uma pergunta, que é a melhor forma de aprofundar o debate de qualquer tema: o que diria o governo dos Estados Unidos se essa ideologia messiânica que manda hoje em Israel decidisse implementar a “palavra de Deus” e invadisse o Iraque, poços de petróleo incluídos. Continuaria a apoiar todas as ações e/ou omissões que o governo de Israel pratica ou deixa de praticar vulnerando a lei internacional, os direitos naturais, os direitos humanos, a essência da democracia, ou diria “pera lá” que esse petróleo é nosso?

Pois é... às vezes a minha namorada não só sabe mais do que eu, mas argumenta muito melhor do que eu. Se ela não fosse a minha namorada eu ficaria muito ciumento. Mas como é, fico mais do que orgulhoso.

O quid da questão é: atacar barcos em águas internacionais é um delito gravíssimo, digno de um grupo de piratas e não de um Estado de Direito.

O fato de que essa flotilha procurasse - mais do que entregar ajuda humanitária - contestar e provocar contra o bloqueio de Gaza - igualmente ilegal do ponto de vista da lei internacional - não autoriza ao governo de Israel a cometer um crime concreto para impedir um crime teórico.

Ela acha ainda que provavelmente entre os passageiros havia pessoas ligadas a movimentos terroristas, além de uma maioria de inocentes úteis, ou que nalgum porão de algum dos navios havia terríveis armas, mas a solução - e esta é a minha opinião - jamais poderia ser a que foi.

Minha namorada insiste em que não esqueça de dizer que (sic) "a tentativa de furar o bloqueio é pura provocação e uma forma de tentar desmoralizar e intervir nas decisões políticas do Governo de Israel “.

Pena que o governo de Israel não aceitou o pedido dos organizadores para que a ONU vistoriasse os navios. Preferiu recusar, porque o que queria impedir de fato – e o conseguiu – foi que se rompesse o férreo bloqueio, conforme declarou Netaniahu.

E é assim que o governo de Israel promove sistematicamente a deslegitimação do Estado de Israel.

De outra coisa é proibido esquecer (eu quase esqueci, e a namoradinha me lembrou) que Hamas ganhou as eleições nos territórios ocupados por Israel, e que uma jogada suja e legalista alterou o resultado, dando a vitória ao perdedor (a ANP). Hoje eles estão realmente encurralados em Gaza, junto com um milhão e meio de palestinos, lutando para sobreviver, usando todos os meios aceitáveis e inaceitáveis.

Minha namorada é muito mais otimista do que eu, mas também é muito desconfiada. Ela sugere que qualquer pessoa séria teria o direito de achar que dentro dos pacotes de alimentos viesse uma granada, e dentro de um caixote de martelos, uma bazuca desmontada, e assim sucessivamente. Na verdade, faz sentido, mas o que não faz sentido é a forma que Israel escolheu para averiguar se os alimentos eram bombas ou as bonecas estavam cheias de explosivos.

Bom, melhor paro por aqui, que só me faltava que ela brigue comigo por causa deste assunto que de amoroso ou sentimental não tem nada.

O que?... O nome dela?... O telefone?... Vocês devem estar brincando, não é?…

(texto enviado em 6/6)



(26 de junho/2010)
CooJornal no 690


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Suécia
bruno.kampel@gmail.com  
Blog de Bruno Kampel: http://brunokampel.blogger.com.br
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