19/06/2010
Ano 13 - Número 689

ARQUIVO
BRUNO KAMPEL

 
Bruno Kampel



Viram os pelicanos morrendo nas poças de óleo em Louisiana?

 

Sinto uma enorme dificuldade em defender a vida dos botos, dos pelicanos, dos macacos, dos ursos e de todas as espécies em vias de extinção e/ou vítimas de acidentes do tipo do que ocorreu frente às costas dos Estados Unidos (que não foi o primeiro nem será o último). E essa minha dificuldade não existe porque ache que não devam ser protegidos - porque sim acho que devam ser protegidos -, mas pelo fato de que nós, o Homo Sapiens "primeiro e único", ficamos horrorizados ao ver um pato morrendo no meio de um mar de óleo, ou uma baleia sendo criminosamente arpoada pelos pesqueiros japoneses nas costas australianas, e assumimos como lógico - ou "nem estamos aí" - que milhões de seres humanos morram de fome, e que muitos mais milhões morram de sede (!), e que o continente africano esteja agonizando por obra e graça do maior depredador: o Homem.

Enquanto o Ser Humano como um grupo animal em perigo, e dentro desse grupo a Infância em particular; e a Educação pública gratuita e obrigatória; e a Saúde das classes menos favorecidas, não forem o objetivo prioritário dos dinheiros públicos, fodam-se, mil vezes fodam-se, os botos e os pelicanos e as baleias e os pirilampos em vias de extinção.

Desculpem o desabafo. É que a vida me ensinou que infelizmente um passarinho morrendo no meio de uma poça de óleo num mar a milhares de quilômetros de nossa casa e de nossa vida, é transmitido em todos os noticiários e nos sensibiliza mais do que uma criança desamparada, abandonada, abusada, maltratada, desnutrida, faminta, dormindo numa cabine de telefone ao lado de nossa casa, e que essa situação pandêmica não merece nem uma linha na página 756 do jornal de domingo, a não ser para alertar sobre o perigo que essas crianças representam para a segurança dos bem alimentados, dos bem tratados, dos bem educados.

Sim, investimos com toda razão o nosso sentimento de solidariedade na defesa da vida de um marreco que corre o risco de se extinguir nas selvas do Peru, ou de um crustáceo qualquer cujo habitat no fundo do golfo do México está ameaçado pela maré de óleo que emana sem controle, mas continuamos a gerar miséria humana sem que trema a nossa consciência. Gastamos mais em tanques e bombas que em escolas e hospitais, como se fosse lógico. Nas guerras geramos mais vítimas civis pelos efeitos colaterais, do que de inimigos contra os quais lutamos.

Que me desculpem os bichinhos, mas se não há suficientes recursos para tudo, que o Ser humano seja o objetivo primordial do esforço nacional, internacional e multinacional. Do que sobrar (e sobraria se as verbas fossem integramente destinadas a atender os objetivos, e não que uma parte viaje para o bolso dos políticos), então sim tratar desses efeitos devastadores que infelizmente acompanham o progresso industrial e a codícia impúdica dos regentes do mundo e dos sátrapas de turno.

Que me desculpem aqueles que defendem com sinceridade o direito de flora e fauna de não caírem vítimas do bicho homem (eu também ME peço desculpas), mas não posso ser um ecologista que lembra da lombriga da Tanzânia e ignora a criança das ruas da América Latina, da Índia, do Paquistão, do Harlem, da Polônia e da Bulgária e da Ásia, que continuam a carecer de alimentação básica, de atenção sanitária primária, de educação, de futuro.

Sim, desculpem.



(19 de junho/2010)
CooJornal no 689


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bruno.kampel@gmail.com  
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