Durante um par de milênios o povo judeu levou a pátria pendurada nas retinas
da memória; implícita em qualquer projeto de futuro; locatária vitalícia dos
sonhos de todos e de cada um. Ano que vem em Jerusalém era a consigna unânime,
o desejo explícito, a esperança sempiterna.
Com a fundação do Estado de Israel num tempo em que as feridas do Holocausto
ainda sangravam em todas as manchetes dos jornais e no peito aberto do povo de
Israel, essa pátria virtual transformou-se em algo tangível, no chão nosso tão
cantado e esperado, e pouco a pouco as preces foram transformando-se em campos
semeados, e em ruas asfaltadas, e em largas avenidas, e em modernos hospitais,
e em excelentes escolas, e em magníficas universidades, e em casas de oração
para todos os gostos e para todos os povos, e o hebraico redivivo
transformou-se no idioma comum a todos, servindo de ponte entre todas as ilhas
culturais chegadas da longa e sangrenta diáspora.
Os sonhos milenares então, cansados de serem apenas sonhados, saíram a
caminhar pelos campos e cidades, pelos vales e desertos, criando História a
cada passo, gerando trabalho e riqueza em cada canto, reconstruindo o futuro a
cada dia.
Sim, era nem mais nem menos do que a tão desejada normalização do povo judeu
na sua terra de origem.
Hoje, entretanto, neste primórdio do terceiro milênio cheio de mortos
inocentes e de culpas mútuas e de sonhos fuzilados e de promessas não
cumpridas e de ódio recíproco e de sangue derramado em vão e de desejos de
vingança sem sentido, alguns fundamentalistas religiosos judeus, e outros
poucos fanáticos laicos da extrema-direita judia, esquecidos da partilha da
Palestina e da fundação do Estado de Israel e da renúncia a qualquer
reivindicação territorial com a única exceção de Jerusalém, tentam
descaracterizar e apossar-se dessa pátria de todos, transformando-a num gueto
próprio, num simples degrau da grande “pátria” bíblica dos contos de fadas,
pondo em perigo mortal – com tal atitude - a esse pequeno, único e
insubstituível referente do povo judeu, que é o Estado de Israel.
A todos aqueles que ainda cultivam nos seus sonhos e orações a grande Israel
que jamais existiu, fica-lhes apenas a alternativa de aceitar a realidade e
trocá-la na prática pelo único e possível Israel (o Estado das fronteiras de
1967 retocadas de comum acordo com os palestinos, e a transformação de
Jerusalém na capital indivisível de dois povos e dois Estados), ao mesmo tempo
em que poderão mantê-la dentro do universo da memória, da prece e da fé, tão
grande quanto o desejarem, porque caso contrário, se insistirem em insurgir-se
contra o desejo da maioria do povo judeu, chegando até a apontar armas contra
o exército e/ou incitando ao assassinato das lideranças democraticamente
eleitas, transformar-se-ão – ainda que não seja esse o seu desejo – nos
verdugos do Estado de Israel.
Tomara a sensatez seja a dona e senhora da última palavra.
(25 de agosto/2007)
CooJornal
no 543