Vendia melódicas hipóteses.
Esparramava insensatezes de todas as cores. Fabricava dia e noite
conseqüências sem fronteiras. Jogava com os verbos e adjetivos, e também os
substantivos, como quem brinca de esconde-esconde com amigos. Discursava
promessas vestidas de gala. Proclamava verdades carregadas de dita e não menos
desdita. Vivia despindo sem vergonha os seus sonhos de palha.
Sucumbiu nas entrelinhas da sua própria fantasia, deixando de herança
intermináveis estórias que jamais serão contadas; merecidos prêmios nunca
conquistados; estrondosos aplausos jamais escutados.
Acreditou até o fim que escrevia contos quando de fato os paria, e supôs que
eram poemas os seus versos sem estrofes, ainda que nunca deixassem de ser
vasos repletos de gerânios.
Foi-se, cumprindo a promessa que todos fazemos ao chegar, de morrer quando nos
chegue a hora. Um escrevinhador menos a desmistificar a realidade e
reinventá-la. Um ventríloquo mais que deixa o palco coalhado de metáforas
travestidas de inocentes teoremas. Um inventor de silêncios que partiu
enquanto escrevia a sua mais brilhante e definitiva metamorfose -
transformando-se em lembrança na memória dos que ficam – deixando um montão de
respostas sem perguntas atravessadas na garganta do Tempo, como se fossem
páginas em branco esperando ser escritas.
O marionetista das letras findou, e a inspiração – órfã de si mesma –
transmigra sem conhecer o destino final dessa viagem.
(04 de março/2006)
CooJornal
no 466