04/03/2006
Número - 466

ARQUIVO
BRUNO KAMPEL

 
Bruno Kampel



NECROLÓGIO
 

 

Vendia melódicas hipóteses. Esparramava insensatezes de todas as cores. Fabricava dia e noite conseqüências sem fronteiras. Jogava com os verbos e adjetivos, e também os substantivos, como quem brinca de esconde-esconde com amigos. Discursava promessas vestidas de gala. Proclamava verdades carregadas de dita e não menos desdita. Vivia despindo sem vergonha os seus sonhos de palha.

Sucumbiu nas entrelinhas da sua própria fantasia, deixando de herança intermináveis estórias que jamais serão contadas; merecidos prêmios nunca conquistados; estrondosos aplausos jamais escutados.

Acreditou até o fim que escrevia contos quando de fato os paria, e supôs que eram poemas os seus versos sem estrofes, ainda que nunca deixassem de ser vasos repletos de gerânios.

Foi-se, cumprindo a promessa que todos fazemos ao chegar, de morrer quando nos chegue a hora. Um escrevinhador menos a desmistificar a realidade e reinventá-la. Um ventríloquo mais que deixa o palco coalhado de metáforas travestidas de inocentes teoremas. Um inventor de silêncios que partiu enquanto escrevia a sua mais brilhante e definitiva metamorfose - transformando-se em lembrança na memória dos que ficam – deixando um montão de respostas sem perguntas atravessadas na garganta do Tempo, como se fossem páginas em branco esperando ser escritas.

O marionetista das letras findou, e a inspiração – órfã de si mesma – transmigra sem conhecer o destino final dessa viagem.



(04 de março/2006)
CooJornal no 466


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
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