O primeiro livro que li de ponta
a ponta sem ter chegado a entendê-lo a fundo, mas adivinhando o que não sabia,
chamava-se Ana. Tratava-se de um livro de carne e osso cujas páginas eram
dedos macios e lábios carnosos e cavernas profundas e altíssimas montanhas que
me ensinavam lições imperecedouras.
Desde o mesmíssimo prólogo e até o ponto final, era um puro aprender a viver.
Cada frase pronunciada pelas carícias dos seus dedos provocava pele de galinha
em todos os meus sentidos, e cada parágrafo que o suor escrevia sobre a
epiderme da minha ingenuidade, quase sempre terminava num maremoto de suspiros
de alegria. Cada capítulo era um convite irrecusável para visitar o seguinte,
e assim discorria o enredo até desmaiar de tanto ler e ser lido.
Acho que à Ana a li quase todas as tardes dos meus treze anos, enquanto os
pombos que aninhavam na magnólia nos olhavam com curiosidade pela janela
entreaberta da varanda, provavelmente tentando aprender a ler como nós o
fazíamos.
Hoje, sim, hoje, após tantos anos, lustros, décadas, frases, parágrafos e
capítulos protagonizados por mim ao longo da vida, sei com certeza que nos
muitos livros que li, leio e lerei, sempre procurava procuro e procurarei nas
entrelinhas das suas pernas, entre as frases das suas coxas, sobre os
capítulos dos seus seios, sob a encadernação elétrica dos seus orgasmos, à Ana
que li em prosa e verso e que entendi sem palavras que a explicassem. Devo
reconhecer que quase a encontrei algumas vezes em outros livros. Não mais do
que quase.
Deve ser por isso que todos os livros são para mim apenas um, ainda que
traduzido à linguagem particular de cada uma das suas autoras. Todas as
entrepernas me ensinam a mesma e repetida lição, e todas as vezes que leio e
entendo a mensagem, sinto por um instante como se voltasse a ter treze anos em
flor e fosse o verdadeiro autor e único leitor da sinfonia vital escrita sobre
as páginas em branco da minha puberdade.
(25 de fevereiro/2006)
CooJornal
no 465