26/11/2005
Número - 452

ARQUIVO
BRUNO KAMPEL

 
Bruno Kampel



Em 24 de novembro


 

O desjejum de hoje não apresentou nenhuma novidade. Como todos os desjejuns de todos os dias em toda e qualquer circunstância, compunha-se de leite com café, pão e brioches, goiabada brasileira e queijo holandês, mel italiana, uma laranja do Marrocos e uma banana das Ilhas Canárias. O cenário era como sempre made in Sweden: uma mesa na copa e um monte de cadeiras vazias.

O mais curioso de tudo é que, a despeito de que nada era diferente; de que novamente tomava o desjejum sem companhia, e cada gole era uma cópia fiel de outros goles de outros desjejuns, e cada mordida em cada pão ou brioche refletia com exatidão antigas mordidas em outros pães e diferentes brioches; sim, mesmo que a rotina era como sempre a regente que conduzia os trabalhos matutinos e vespertinos e noturnos da minha vida, mesmo assim algo diferente flutuava no ar.

Só quando a máquina de lavar louça começou a executar o seu trabalho diário, foi que descobri que o gosto diferente do pão e dos brioches, e o aroma mais agradável do café, e a consistência mais uniforme do mel, e a soma dos sabores da goiabada sobre o queijo muito mais gostosa, eram um aviso codificado que algum dos muitos eus que me habitam tratava de escrever nesta manhã, lembrando-me que na data de hoje, há 61 longos anos, nascia eu, para bem e para mal.

Ante tal fato irreversível e incontestável, só me restou a possibilidade de ir até o espelho do hall de entrada, e então, olhando-me de frente e lembrando de todos os que poderiam estar hoje aqui e não estão – uns poucos por não poder e os mais por não querer - pisquei um olho de cumplicidade a esse velho que me olhava com tristeza desde o espelho, e vim ver se o correio eletrônico tinha lembrado deste evento, e contar a ele que sim, que por mais que cheguem os anos, e por mais que eles pesem, e por mais que eles partam, eu serei imortal, e assim viverei até que a morte aceite o convite da vida e venha tomar o desjejum comigo.



(26 de novembro/2005)
CooJornal no 452


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
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