O desjejum de hoje não apresentou
nenhuma novidade. Como todos os desjejuns de todos os dias em toda e qualquer
circunstância, compunha-se de leite com café, pão e brioches, goiabada
brasileira e queijo holandês, mel italiana, uma laranja do Marrocos e uma
banana das Ilhas Canárias. O cenário era como sempre made in Sweden: uma mesa
na copa e um monte de cadeiras vazias.
O mais curioso de tudo é que, a despeito de que nada era diferente; de que
novamente tomava o desjejum sem companhia, e cada gole era uma cópia fiel de
outros goles de outros desjejuns, e cada mordida em cada pão ou brioche
refletia com exatidão antigas mordidas em outros pães e diferentes brioches;
sim, mesmo que a rotina era como sempre a regente que conduzia os trabalhos
matutinos e vespertinos e noturnos da minha vida, mesmo assim algo diferente
flutuava no ar.
Só quando a máquina de lavar louça começou a executar o seu trabalho diário,
foi que descobri que o gosto diferente do pão e dos brioches, e o aroma mais
agradável do café, e a consistência mais uniforme do mel, e a soma dos sabores
da goiabada sobre o queijo muito mais gostosa, eram um aviso codificado que
algum dos muitos eus que me habitam tratava de escrever nesta manhã,
lembrando-me que na data de hoje, há 61 longos anos, nascia eu, para bem e
para mal.
Ante tal fato irreversível e incontestável, só me restou a possibilidade de ir
até o espelho do hall de entrada, e então, olhando-me de frente e lembrando de
todos os que poderiam estar hoje aqui e não estão – uns poucos por não poder e
os mais por não querer - pisquei um olho de cumplicidade a esse velho que me
olhava com tristeza desde o espelho, e vim ver se o correio eletrônico tinha
lembrado deste evento, e contar a ele que sim, que por mais que cheguem os
anos, e por mais que eles pesem, e por mais que eles partam, eu serei imortal,
e assim viverei até que a morte aceite o convite da vida e venha tomar o
desjejum comigo.
(26 de novembro/2005)
CooJornal
no 452