12/11/2005
Número - 450

ARQUIVO
BRUNO KAMPEL

 
Bruno Kampel



UM BRASILEIRO NA SUÉCIA

 

A vida na Suécia. Um triste e belo e gelado paraíso onde o lado material da vida está mais do que bem resolvido; onde o Banco substitui a Igreja ou a Mesquita ou a Sinagoga, e a Robótica e a Internet substituem a Filosofia e a Literatura.

Um carro per capita ou mais; dois computadores por casa, ou mais; três divórcios na bagagem, ou mais; férias nas ilhas gregas ou na Itália ou na Espanha uma ou duas vezes por ano, ou mais.

A lei que tudo pode não permite que ninguém ganhe menos do que precisa para viver dignamente, e quem percebe apenas esse mínimo, recebe do governo um complemento que pode chegar até 90% do valor da hipoteca ou do aluguel, e, se tiver filhos, se adiciona uma boa quantia.

Isto é apenas uma amostra do desafogo econômico do povo sueco. Um povo que, não por bem satisfeito economicamente, deixa de ser basicamente não feliz, ou pouco feliz, ou se exageramos, infeliz, com um dos mais altos índices de suicídio e alcoolismo do mundo.

Desde crianças os suecos são mansa e sistematicamente treinados, amestrados, domesticados, estandardizados, para não reagirem com atitudes “incivilizadas” frente a situações atípicas ou imprevistas, como poderia ser chorar de alegria ou gritar de felicidade ou dizer o que se pensa ou, pior ainda, tentar pensar por conta própria, rompendo com tal atitude os parâmetros assumidos pela sociedade matematicamente organizada.

Por essa mesma razão é que ensinam os seus cachorros a não ladrar, porque o uauauau incomoda os vizinhos; a não cheirar o traseiro de outro cachorro, porque fica feio; a não “xixizar” as árvores, porque é uma agressão ao meio ambiente; a não portar pulgas, pelo que dirão se o seu cachorro começar a se coçar em público. Ou seja, já podem imaginar: um cachorro que não ladra nem cheira o bumbum do outro nem se coça nem mija na árvore da esquina, é tudo menos um cachorro. É, como máximo, a versão híbrida do perriculus scandinavum.

Assim são os suecos. Bons e amáveis, mas carentes e herméticos. Por isso é que uma simples gargalhada de um brasileiro, por mais ou menos esquerdista ou direitista que seja; por mais ou menos cultura que possua; por mais ou menos dinheiro que disponha; por mais ou menos louro que seja – representa muito mais que todo o bem-estar de um povo que substituiu a alegria espontânea, o insulto amável, o abraço emotivo, por um sistema de bem-estar que não deixa livrado ao azar nenhum minuto da vida e da morte; esse mesmo povo que trocou o poema de amor por dois carros na garagem; que preferiu renunciar ao encontro entre amigos no qual se fala de tudo e de nada, no qual se canta e dança, no qual se dá e se recebe, optando pelo silêncio educado dos que não têm nada a dizer, ou, pior ainda, dos que não sabem como dizer o que sentem e pensam.

Ou seja, um povo gentil e educado; amável, justo e solidário, que não aprendeu a desfrutar momentos de plenitude ou instantes de felicidade, dançando por prazer, cantando com o olhar, mexendo o corpo como quem agradece à vida por se deixar viver.

Na Suécia, o pragmatismo sem poesia encarcera a espontaneidade no calabouço interior de cada um; o dinheiro impõe o estado de sítio a todas as emoções; a lei impera sobre a Justiça; a monotonia maniata a imaginação; a introversão proíbe a integração; o silêncio destrói a palavra e seus significados.

Tomara pudesse ser encontrada a fórmula que produzisse uma síntese entre o Brasil e a Suécia. Um sorriso explícito pendurado nos lábios dos suecos; um trabalho digno e bem remunerado na vida de todos os brasileiros; uma imensa alegria de viver dizendo presente na gélida Escandinávia; o desenvolvimento florescendo nos canaviais nordestinos. Suecos aplaudindo a improvisação e brasileiros festejando a chegada do progresso.

Sonhar não custa nada. Até mesmo na Suécia, onde tudo custa.



(12 de novembro/2005)
CooJornal no 450


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
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