A vida na Suécia. Um triste e
belo e gelado paraíso onde o lado material da vida está mais do que bem
resolvido; onde o Banco substitui a Igreja ou a Mesquita ou a Sinagoga, e a
Robótica e a Internet substituem a Filosofia e a Literatura.
Um carro per capita ou mais; dois computadores por casa, ou mais; três
divórcios na bagagem, ou mais; férias nas ilhas gregas ou na Itália ou na
Espanha uma ou duas vezes por ano, ou mais.
A lei que tudo pode não permite que ninguém ganhe menos do que precisa para
viver dignamente, e quem percebe apenas esse mínimo, recebe do governo um
complemento que pode chegar até 90% do valor da hipoteca ou do aluguel, e, se
tiver filhos, se adiciona uma boa quantia.
Isto é apenas uma amostra do desafogo econômico do povo sueco. Um povo que,
não por bem satisfeito economicamente, deixa de ser basicamente não feliz, ou
pouco feliz, ou se exageramos, infeliz, com um dos mais altos índices de
suicídio e alcoolismo do mundo.
Desde crianças os suecos são mansa e sistematicamente treinados, amestrados,
domesticados, estandardizados, para não reagirem com atitudes “incivilizadas”
frente a situações atípicas ou imprevistas, como poderia ser chorar de alegria
ou gritar de felicidade ou dizer o que se pensa ou, pior ainda, tentar pensar
por conta própria, rompendo com tal atitude os parâmetros assumidos pela
sociedade matematicamente organizada.
Por essa mesma razão é que ensinam os seus cachorros a não ladrar, porque o
uauauau incomoda os vizinhos; a não cheirar o traseiro de outro cachorro,
porque fica feio; a não “xixizar” as árvores, porque é uma agressão ao meio
ambiente; a não portar pulgas, pelo que dirão se o seu cachorro começar a se
coçar em público. Ou seja, já podem imaginar: um cachorro que não ladra nem
cheira o bumbum do outro nem se coça nem mija na árvore da esquina, é tudo
menos um cachorro. É, como máximo, a versão híbrida do perriculus
scandinavum.
Assim são os suecos. Bons e amáveis, mas carentes e herméticos. Por isso é que
uma simples gargalhada de um brasileiro, por mais ou menos esquerdista ou
direitista que seja; por mais ou menos cultura que possua; por mais ou menos
dinheiro que disponha; por mais ou menos louro que seja – representa muito
mais que todo o bem-estar de um povo que substituiu a alegria espontânea, o
insulto amável, o abraço emotivo, por um sistema de bem-estar que não deixa
livrado ao azar nenhum minuto da vida e da morte; esse mesmo povo que trocou o
poema de amor por dois carros na garagem; que preferiu renunciar ao encontro
entre amigos no qual se fala de tudo e de nada, no qual se canta e dança, no
qual se dá e se recebe, optando pelo silêncio educado dos que não têm nada a
dizer, ou, pior ainda, dos que não sabem como dizer o que sentem e pensam.
Ou seja, um povo gentil e educado; amável, justo e solidário, que não aprendeu
a desfrutar momentos de plenitude ou instantes de felicidade, dançando por
prazer, cantando com o olhar, mexendo o corpo como quem agradece à vida por se
deixar viver.
Na Suécia, o pragmatismo sem poesia encarcera a espontaneidade no calabouço
interior de cada um; o dinheiro impõe o estado de sítio a todas as emoções; a
lei impera sobre a Justiça; a monotonia maniata a imaginação; a introversão
proíbe a integração; o silêncio destrói a palavra e seus significados.
Tomara pudesse ser encontrada a fórmula que produzisse uma síntese entre o
Brasil e a Suécia. Um sorriso explícito pendurado nos lábios dos suecos; um
trabalho digno e bem remunerado na vida de todos os brasileiros; uma imensa
alegria de viver dizendo presente na gélida Escandinávia; o desenvolvimento
florescendo nos canaviais nordestinos. Suecos aplaudindo a improvisação e
brasileiros festejando a chegada do progresso.
Sonhar não custa nada. Até mesmo na Suécia, onde tudo custa.
(12 de novembro/2005)
CooJornal
no 450