05/11/2005
Número - 449

ARQUIVO
BRUNO KAMPEL

 
Bruno Kampel



CONJUGANDO O ÓDIO
 

Eu mato
tu morres

ele também
nós festejamos
vós sofreis
eles se vingam.

E então, para não ser menos...

Eu morro
tu matas
ele também
nós sofremos
vós festejais
eles se vingam.

E assim até a última bala.
Ou até a última vida.

****

Hora: 14:00 GMT

Um jovem palestino de 23 anos, atuando em nome dos sagrados direitos de seu povo e da misericórdia ilimitada que transpira de cada versículo do Corão, aperta o botão e se faz explodir dentro de um ônibus. Morrem - além dele - 12 inocentes, acusados e condenados sem direito de defesa pelo crime de serem judeus.

Enquanto os especialistas procuram e recolhem entre as ferragens retorcidas do que fora um ônibus os pedacinhos das quase crianças que nunca serão adultas, e dos adultos que não chegarão à velhice, e dos velhos que não morrerão na cama, não poucos paladinos da liberdade e dos direitos humanos olham para outro lado.


Hora: 20:00 GMT

Um jovem israelense de 23 anos, atuando em nome dos sagrados direitos de seu povo e da misericórdia que transpira de cada salmo da Torá, aperta o gatilho do disparador de foguetes do seu F-16. Morrem tanto o objetivo do disparo como seus 4 filhos, que nunca serão adultos, e alguns vizinhos do prédio, que não chegarão a velhos, e os que estavam na casa do lado, que sim morreram na cama, vítimas do efeito letal do vírus transmissor dessa terrível doença chamada danos colaterais.

Enquanto os enfermeiros da Meia Lua Crescente recolhem entre os destroços a carne moída de tantos inocentes, não poucos paladinos da liberdade e dos direitos humanos olham para outro lado.


Hora: Agora

Esses são dois dos piores e mais destrutivos exemplos do que as meias verdades são capazes de produzir, porque elas não passam de ser grandes e desalmadas mentiras.

Enquanto os atores do drama continuarem a olhar apenas o meio copo cheio com que os inimigos saciam a sede de sangue, esquecendo do outro meio copo no qual mata a sede a sua própria intolerância, o círculo vicioso do matar para vingar continuará, e os coveiros seguirão trabalhando horas extras.



(05 de novembro/2005)
CooJornal no 449


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
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