Bruno Kampel
O PRESENTE
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Fui até a livraria para comprar um buquê de versos. O florista que me
atendeu disse-me que estavam em falta. Mas não desisti. Fui até a loja que
vende flores e pedi um livro de poesias cheirando a jasmins. O livreiro
desculpou-se dizendo que estava esgotado.
Teimoso como sou, entrei no
circo querendo comprar a tristeza do palhaço, mas só tinham para vender a
caricatura do seu sorriso. Diante disso, fui até a maternidade tentando achar
um pouco de ternura, mas a enfermeira garantiu-me que isso só se encontra nos
poemas de amor. Então, ante o dilema de parar ou seguir, decidi continuar à
procura do presente, pois queria mandar algo que significasse mais do que
apenas um mimo.
Sim, revirei meia cidade buscando alguns gritos de
felicidade, mas só achei gemidos de segunda mão. Tentei encontrar suspiros de
prazer, porém o lojista só dispunha de silêncios que não paravam de gritar.
Revirei as estantes à cata de um vinho feito de suor gerado no desejo e de
lágrimas paridas na emoção do encontro, mas apenas achei garrafas vazias e
cansadas de esperar por quem as encha.
E foi assim que de prateleira
em prateleira, de loja em loja, de bairro em bairro, esgotei o estoque de
possibilidades, pois na cidade apenas sobraram sem mácula as esquinas da vida,
as praças da esperança, as árvores impávidas e os ninhos sem cadeado onde
habitam os pássaros sem tristeza.
Por tudo isso é que só me restou uma
alternativa, e a uso antes de que seja tarde demais. Espero então que
aproveite a esquina que lhe mando para nela aguardar até que o sinal da
felicidade fique verde de alegria; a praça, para que sente em um dos seus
bancos, e olhando o céu, possa desfolhar a alegoria do amanhecer recitando
borboletas de todas as cores; as árvores, para que à sombra dos seus galhos
floresça a inspiração sempre que ela visite os seus domínios; os ninhos, para
dar guarida ao gorjeio sentimental que sua sensibilidade borde em prosa e
verso sobre a toalha de renda da vida; e os pássaros felizes, para que
sobrevoem as paisagens que a sua imaginação lhes implante nas retinas.
Como já disse, isto foi o único que achei para mandar. Sei que é muito pouco,
pouco até demais, não mais do que uma amostra de esperança, mas como tratei de
explicar, foi o único que achei para mandar.
Publicado
em 01/10/2005 no CooJornal.
Bruno Kampel é analista político, poeta e escritor.
bruno@kampel.com
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