01/10/2005
Número - 444

ARQUIVO
BRUNO KAMPEL

 
Bruno Kampel


CONJUGANDO O VERBO DESEJAR

Essa arcaica regra de etiqueta – tão usada e abusada – que na véspera de Rosh Hashaná nos exige que desejemos que se cumpram todas as aspirações do próximo, está muito além da minha capacidade de aceitar o inaceitável. Eu, a verdade seja dita, o único que quero, anseio, aspiro e desejo, é que se cumpram todos os desejos, os anseios e as aspirações de quem quer que seja, desde que eles contenham no seu ventre apenas e unicamente bons propósitos que não gerem sofrimento alheio.

E entre esses meus desejos está o de que não se cumpram os anseios da extrema direita judaica em relação a Israel, porque neles prima uma supremacia judaica inexistente e germina um desprezo repugnante pelo povo palestino; e o de que não se cumpram os desejos dos colonos judeus em relação aos assentamentos, porque eles traduzem um messianismo incompatível com os valores do judaísmo, já que têm com base a usurpação de bens e a expulsão da população; e o de que não se cumpram os desejos de Sharon, Netaniahu e Cia. em relação ao futuro do Estado de Israel, porque sua realização representaria a morte pura e simples do Estado de Israel livre, laico e democrático pensado e instrumentado pelos seus fundadores; e o de que não se cumpram os desejos dos inimigos do povo judeu em relação ao nosso destino, porque significaria o fim físico do nosso povo; e o de que não se cumpram os desejos dos anti-semitas em relação a nós, porque seria a reprise de Auschwitz, Treblinka e sucursais. Muito pelo contrário, desejo com fervor quase religioso que todos eles não passem de ser velhos, reumáticos e maltrapilhos desejos irrealizados e irrealizáveis.

Quero que os desejos de todos os terroristas que matam em nome de seja qual for o seu deus, se cumpram contra si mesmos; e que os desejos de todos os fanáticos de todas as tendências, morram nos trabalhos de parto; e que todos os desejos de vingança se transformem num afiadíssimo bumerangue.

Desejo que se consolide um projeto que conduza a uma paz justa entre Israel e Palestina que finalmente permita dormir em paz a uns e a outros, e que se realizem os desejos daqueles que não desejam impor a sua vontade como se ela fosse a explicitação de um desejo divino.

Por tudo isso, espero que no jantar de Rosh Hashaná, todos os que apostamos pela Paz digna e verdadeira e não pela Pax imposta e portanto fraudulenta, nos embebedemos com uma enorme dose de esperança, e os que planejam a vitória final de uns sobre os outros sem importar-se com o enorme custo em sangue inocente que tal empreitada cobraria, que se engasguem bebendo o seu próprio ódio e que tropecem nas pedras que forem semeando no caminho.

Essas são as condições sine qua non para desejar a quem as aceitar, um

SHANÁ TOVÁ UMETUKÁ!



(01 de outubro/2005)
CooJornal no 444


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
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