17/09/2005
Número - 442

ARQUIVO
BRUNO KAMPEL

 
Bruno Kampel



O PAVIO DO ÓDIO E O FÓSFORO DA POLÍTICA

 

Ainda que o incêndio de algumas sinagogas em Gaza por uma multidão enlouquecida e enceguecida não fique a dever nada em crueldade e maldade à particularíssima noite dos cristais na Alemanha, ou à queima generalizada de livros censurados pelo regime nazista, não escreverei uma só palavra sobre as pessoas que o fizeram nem sobre os possíveis motivos do ódio que os impeliu. Deixo esse tema para os propagandistas de ambos os bandos.

Ainda que esses incêndios pudessem ter sido evitados pelo governo israelense, desmantelando essas sinagogas tal e qual fizeram com mais de duas mil casas e fábricas dos colonos, não escreverei nem sequer uma simples palavra sobre a não descartada hipótese de que tenham sido deixadas em pé com a suposição de que ocorreria o que aconteceu, e que tal fato execrável produziria importantes dividendos nos campos da propaganda e das relações públicas. Desse tema encarregar-se-ão os jornais e os canais de televisão, cada um deles olhando apenas o lado da história que mais lhe convier. Uns olharão o pavio, outros o fósforo, e muitos olharão para outro lado. Como sempre.

Da mesma forma em que não acusei o povo americano de imprevisão em tudo o que se relaciona com o furacão Katrina e suas conseqüências, tampouco acuso agora ao povo palestino de ter chegado ao extremo de incendiar casas de oração, transformando uma luta política justa, numa agressão religiosa intolerável.

Acuso única e exclusivamente às autoridades palestinas, porque elas, sabendo o que ocorreria, não o impediram. Não ficaria surpreso se viesse a ser confirmado que alguns deles foram os planejadores dessa infâmia.

Acuso às autoridades palestinas de se terem deixado levar pela irracionalidade que lhes ditavam os seus intestinos e não pela Razão que deve imperar obrigatoriamente nas questões de Estado.

Os responsáveis políticos dessa barbárie digna dos piores tempos da Inquisição e dos não muito longínquos campos de concentração ou fornos crematórios incluíram-se definitivamente – pelas suas ações e/ou omissões – na lista negra dos que não podem nem devem negociar em nome do povo palestino.

Se deixarmos que aqueles que permitiram incendiar sinagogas não sejam punidos – e isso em nome de um pragmatismo inaceitável - será a prova definitiva de que o século XXI é o cenário sobre o qual se desintegra a sociedade dos humanos, e dos seus escombros surge e frutifica a indignidade com forma de governo, o fanatismo religioso como bandeira de guerra, e a força bruta como consigna.



(17 de setembro/2005)
CooJornal no 442


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
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