1.- Sobre os que ficam
Nesta vida que nos toca protagonizar, a injustiça é manifestamente maior
que a Justiça em quase todos os âmbitos, mas no caso da morte
paradoxalmente prevalece o bom senso: enterra-se apenas a inutilidade do
corpo esgotado e se deixa que continuem a germinar as idéias que o
habitaram.
Uns, ao morrer deixam dívidas. Outros, não poucas dúvidas. Mas quase todos
deixam um bom exemplo a ser imitado, ou um par de alternativas que merecem
ser implementadas, ou um projeto que pede ser desenvolvido.
O usufruto pleno dessa herança depende única e exclusivamente da vontade
dos que a recebem, de tentar dar um sentido às horas que passam a jato
sobre o nosso quotidiano exercício de morrer, que no fim das contas essa é
a grande verdade da vida. Viver é morrer, e talvez por isso, morrer seja
apenas e simplesmente continuar a nascer, pelo menos até que alguém colha
alguma idéia que tenhamos plantado, e a fertilize; até que alguém descubra
algum projeto que hajamos iniciado, e o termine: até que alguém se olhe
nalgum exemplo que semeamos, e o colha.
2.- Sobre os que partem
No balanço imperativo que o apagar das luzes impõe aos passageiros da
última viagem, os livros lidos pesam mais que todos os discursos, e as
intenções que os resultados conseguidos, e os silêncios mais que os
gritos balbuciados, e a procura interminável de perguntas muito mais que o
encontro de todas as respostas.
Mais triste que a morte é a morte antes de sê-lo; o saber que chega e
esperá-lo; o não querer esperá-la até que chegue.
Mais triste que a morte é morrer e continuar vivendo, fingindo que o
cadáver que nos olha desde o espelho é real e não um reflexo do que fomos.
Morrer é triste: morrer é fácil; morrer é tudo; morrer é apenas morrer de
pena ou de raiva, morrer de dia ou de noite: é morrer dia e noite até
ficar definitivamente morto, seja de amor ou de ódio, seja de pena ou
espanto, pois o nosso morrer é a vida, essa que termina no fundo da gaveta
da memória dos que herdam a lembrança em que a morte nos transforma.
Bruno Kampel, em memória de Antonina, quem num simples fechar de olhos
virou saudade.
(20 de agosto/2005)
CooJornal
no 438