20/08/2005
Número - 438

ARQUIVO
BRUNO KAMPEL

 
Bruno Kampel


A MORTE

1.- Sobre os que ficam

Nesta vida que nos toca protagonizar, a injustiça é manifestamente maior que a Justiça em quase todos os âmbitos, mas no caso da morte paradoxalmente prevalece o bom senso: enterra-se apenas a inutilidade do corpo esgotado e se deixa que continuem a germinar as idéias que o habitaram.

Uns, ao morrer deixam dívidas. Outros, não poucas dúvidas. Mas quase todos deixam um bom exemplo a ser imitado, ou um par de alternativas que merecem ser implementadas, ou um projeto que pede ser desenvolvido.

O usufruto pleno dessa herança depende única e exclusivamente da vontade dos que a recebem, de tentar dar um sentido às horas que passam a jato sobre o nosso quotidiano exercício de morrer, que no fim das contas essa é a grande verdade da vida. Viver é morrer, e talvez por isso, morrer seja apenas e simplesmente continuar a nascer, pelo menos até que alguém colha alguma idéia que tenhamos plantado, e a fertilize; até que alguém descubra algum projeto que hajamos iniciado, e o termine: até que alguém se olhe nalgum exemplo que semeamos, e o colha.

2.- Sobre os que partem

No balanço imperativo que o apagar das luzes impõe aos passageiros da última viagem, os livros lidos pesam mais que todos os discursos, e as intenções que os resultados conseguidos, e os silêncios mais que os gritos balbuciados, e a procura interminável de perguntas muito mais que o encontro de todas as respostas.

Mais triste que a morte é a morte antes de sê-lo; o saber que chega e esperá-lo; o não querer esperá-la até que chegue.

Mais triste que a morte é morrer e continuar vivendo, fingindo que o cadáver que nos olha desde o espelho é real e não um reflexo do que fomos.

Morrer é triste: morrer é fácil; morrer é tudo; morrer é apenas morrer de pena ou de raiva, morrer de dia ou de noite: é morrer dia e noite até ficar definitivamente morto, seja de amor ou de ódio, seja de pena ou espanto, pois o nosso morrer é a vida, essa que termina no fundo da gaveta da memória dos que herdam a lembrança em que a morte nos transforma.



Bruno Kampel, em memória de Antonina, quem num simples fechar de olhos virou saudade.



(20 de agosto/2005)
CooJornal no 438


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
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