09/07/2005
Número - 428

ARQUIVO
BRUNO KAMPEL

 
Bruno Kampel


FALANDO FRANCAMENTE

 

Durante um par de milênios o povo judeu levou a pátria pendurada nas retinas da memória; implícita em qualquer projeto de futuro; locatária vitalícia dos sonhos de todos e de cada um. Ano que vem em Jerusalém era a consigna unânime, o desejo explícito, a esperança sempiterna.

Com a fundação do Estado de Israel num tempo em que as feridas do Holocausto ainda sangravam em todas as manchetes dos jornais e no peito aberto do povo de Israel, essa pátria virtual transformou-se em algo tangível, no chão nosso tão cantado e esperado, e pouco a pouco as preces foram transformando-se em campos semeados, e em ruas asfaltadas, e em largas avenidas, e em modernos hospitais, e em excelentes escolas, e em magníficas universidades, e em casas de oração para todos os gostos e para todos os povos, e o hebraico redivivo transformou-se no idioma comum a todos, servindo de ponte entre todas as ilhas culturais chegadas da longa e sangrenta diáspora.

Os sonhos milenares então, cansados de serem apenas sonhados, saíram a caminhar pelos campos e cidades, pelos vales e desertos, criando História a cada passo, gerando trabalho e riqueza em cada canto, reconstruindo o futuro a cada dia.

Sim, era nem mais nem menos do que a tão desejada normalização do povo judeu na sua terra de origem.

Hoje, entretanto, neste primórdio do terceiro milênio cheio de mortos inocentes e de culpas mútuas e de sonhos fuzilados e de promessas não cumpridas e de ódio recíproco e de sangue derramado em vão e de desejos de vingança sem sentido, alguns fundamentalistas religiosos judeus, e outros poucos fanáticos laicos da extrema-direita judia, esquecidos da partilha da Palestina e da fundação do Estado de Israel e da renúncia a qualquer reivindicação territorial com a única exceção de Jerusalém, tentam descaracterizar e apossar-se dessa pátria de todos, transformando-a num gueto próprio, num simples degrau da grande “pátria” bíblica dos contos de fadas, pondo em perigo mortal – com tal atitude - a esse pequeno, único e insubstituível referente do povo judeu, que é o Estado de Israel.

A todos aqueles que ainda cultivam nos seus sonhos e orações a grande Israel que jamais existiu, fica-lhes apenas a alternativa de aceitar a realidade e trocá-la na prática pelo único e possível Israel (o Estado das fronteiras de 1967 retocadas de comum acordo com os palestinos, e a transformação de Jerusalém na capital indivisível de dois povos e dois Estados), ao mesmo tempo em que poderão mantê-la dentro do universo memória, da prece e da fé, tão grande quanto o desejarem, porque caso contrário, se insistirem em insurgir-se contra o desejo da maioria do povo judeu, chegando até a apontar armas contra o exército e/ou incitando ao assassinato das lideranças democraticamente eleitas, transformar-se-ão – ainda que não seja esse o seu desejo – nos verdugos do Estado de Israel.

Tomara a sensatez seja a dona e senhora da última palavra.




(09 de julho/2005)
CooJornal no 428


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
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