04/06/2005
Número - 422

ARQUIVO
BRUNO KAMPEL

 
Bruno Kampel



Overdose de fatos consumados



 

Um dos grandes problemas aos quais nos enfrentamos os que acumulamos na nossa bagagem muitos anos de vida e um pouco de experiência, é o fato de que quase todos sabemos diagnosticar com bastante precisão os males que acossam ao ser humano em particular e à sociedade em geral, mas quando chega a hora de usar essas conclusões para escolher as soluções e decidir quando e como aplicá-las, os anos vividos e a experiência acumulada repentinamente entram em estado de choque, vítimas da paralisia inercial que o statu quo provoca na maioria da maioria.

É evidente que o ser humano está hipnotizado pela simplicidade de tudo que seja relativo; pela veneração dogmática de quanto seja secundário; pelo desejo compulsivo e mercantilista de acumulação do realmente descartável: pela admiração incondicional ao comprovadamente irrelevante; pelo culto religioso ao que é belo e não ao que é digno; pela adoração do continente do discurso vital e não do conteúdo do mesmo; pelas premissas cientificamente efetivas e não pelas emocionalmente afetivas, volitivas, emotivas.

O que não é tão evidente – contemplando-se a paisagem humana desde as alturas da terceira idade - é o tratamento requerido para que o homo sapiens deixe de trocar as suas ilusões infantis e as suas utopias juvenis por um terno feito à medida ou por um cruzeiro pelas ilhas gregas ou por uma promoção na carreira profissional ou por um casamento economicamente conveniente.

Por isso, enquanto não se implementem soluções e receitas eficazes, as feridas da humanidade continuarão sangrando, e os encarregados de encontrar-lhes o remédio continuarão engordando os seus egos, as suas contas bancárias e os seus obesos orgulhos.

Um dos grandes riscos que a maturidade etária incuba no seu bojo é a extrema facilidade com que essa sensação de dejá vù que está presente em quase tudo que acontece, anestesia e conduz pouco a pouco ao desinteresse – tanto em relação aos fatos ocorrentes quanto ao protagonismo social que tais aconteceres exigem de nós.

Quase todos sabemos muito bem sabido o que deve ser feito para que o ser humano recupere o papel principal nesta tragicomédia chamada Vida, mas muito poucos se entregam à tarefa de tentar fazer o que se deve fazer e não apenas o que se quer fazer.

Chegamos ao ponto em que o roteiro da realidade – escrito sem o nosso consentimento - não nos deixa em liberdade para escolher nem o caminho nem o remédio para as doenças sociais que nos afligem, porque nos acua entre a opção de atropelar os outros para poder progredir, ou morrer sob as rodas dos pés de robóticos humanóides que no seu afã de ganhar ou ganhar não se detêm ante nada ou ninguém, numa corrida que – como bem sabemos os que aprendemos a lição da vida – não conduz nem à casa onde mora a felicidade, nem ao castelo onde espera sentada a paz de espírito.

E a culpa disso – sem dúvida uma grande parte dela – é nossa. Cúmplices por ação ou omissão, nos transformamos nos nossos próprios verdugos, jogando pedras no nosso caminho e escolhendo os atalhos da simplificação que geralmente conduzem ao precipício onde o egoísmo impera soberano.

Enfim… O último que escapar da armadilha tendida pelos malabaristas de consciências e pelos prestidigitadores da conduta e pelos ventríloquos do futuro, que desligue o computador.



(04 de junho/2005)
CooJornal no 422


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
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