Bruno Kampel
Overdose de fatos consumados
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Um dos grandes problemas aos quais
nos enfrentamos os que acumulamos na nossa bagagem muitos anos de vida e um
pouco de experiência, é o fato de que quase todos sabemos diagnosticar com
bastante precisão os males que acossam ao ser humano em particular e à sociedade
em geral, mas quando chega a hora de usar essas conclusões para escolher as
soluções e decidir quando e como aplicá-las, os anos vividos e a experiência
acumulada repentinamente entram em estado de choque, vítimas da paralisia
inercial que o statu quo provoca na maioria da maioria.
É evidente que o ser humano está hipnotizado pela simplicidade de tudo que seja
relativo; pela veneração dogmática de quanto seja secundário; pelo desejo
compulsivo e mercantilista de acumulação do realmente descartável: pela
admiração incondicional ao comprovadamente irrelevante; pelo culto religioso ao
que é belo e não ao que é digno; pela adoração do continente do discurso vital e
não do conteúdo do mesmo; pelas premissas cientificamente efetivas e não pelas
emocionalmente afetivas, volitivas, emotivas.
O que não é tão evidente – contemplando-se a paisagem humana desde as alturas da
terceira idade - é o tratamento requerido para que o homo sapiens deixe
de trocar as suas ilusões infantis e as suas utopias juvenis por um terno feito
à medida ou por um cruzeiro pelas ilhas gregas ou por uma promoção na carreira
profissional ou por um casamento economicamente conveniente.
Por isso, enquanto não se implementem soluções e receitas eficazes, as feridas
da humanidade continuarão sangrando, e os encarregados de encontrar-lhes o
remédio continuarão engordando os seus egos, as suas contas bancárias e os seus
obesos orgulhos.
Um dos grandes riscos que a maturidade etária incuba no seu bojo é a extrema
facilidade com que essa sensação de dejá vù que está presente em quase
tudo que acontece, anestesia e conduz pouco a pouco ao desinteresse – tanto em
relação aos fatos ocorrentes quanto ao protagonismo social que tais aconteceres
exigem de nós.
Quase todos sabemos muito bem sabido o que deve ser feito para que o ser humano
recupere o papel principal nesta tragicomédia chamada Vida, mas muito poucos se
entregam à tarefa de tentar fazer o que se deve fazer e não apenas o que se quer
fazer.
Chegamos ao ponto em que o roteiro da realidade – escrito sem o nosso
consentimento - não nos deixa em liberdade para escolher nem o caminho nem o
remédio para as doenças sociais que nos afligem, porque nos acua entre a opção
de atropelar os outros para poder progredir, ou morrer sob as rodas dos pés de
robóticos humanóides que no seu afã de ganhar ou ganhar não se detêm ante nada
ou ninguém, numa corrida que – como bem sabemos os que aprendemos a lição da
vida – não conduz nem à casa onde mora a felicidade, nem ao castelo onde espera
sentada a paz de espírito.
E a culpa disso – sem dúvida uma grande parte dela – é nossa. Cúmplices por ação
ou omissão, nos transformamos nos nossos próprios verdugos, jogando pedras no
nosso caminho e escolhendo os atalhos da simplificação que geralmente conduzem
ao precipício onde o egoísmo impera soberano.
Enfim… O último que escapar da armadilha tendida pelos malabaristas de
consciências e pelos prestidigitadores da conduta e pelos ventríloquos do
futuro, que desligue o computador.
(04 de junho/2005)
CooJornal
no 422
Bruno Kampel é analista político, poeta e
escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bruno.kampel@gmail.com
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Blog de Bruno Kampel: http://brunokampel.blogger.com.br
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