Bruno Kampel
O direito de divergir
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Desde que me entendo por gente -
e já completei meus primeiros 60 anos de vida - tenho constatado que as
religiões (a nossa que conheço mais, e as outras duas monoteístas sobre as quais
tenho lido não poucos livros) fazem uma divisão muito clara, indiscutível e
definitiva: o Bem é obra de Deus e o Mal é produto do homem.
Também notei que a idéia de Deus não difere muito de uma religião para outra, e
que quase todos os crentes têm dificuldades na hora de explicar com clareza o
que acham que seja Deus: algo ou alguém?
Pude também comprovar o quanto as pessoas preferem aceitar como verdades
sagradas os dogmas oferecidos por essas religiões (não esqueçamos que um dogma é
uma afirmação sem fundamentos reais nem meios de ser comprovada, ou seja, um
simples produto da fé cega em algo ou em alguma coisa) a ter que questionar
esses dogmas.
Assim foi que cheguei aos dias de hoje, respeitando e invejando sadiamente aos
que acreditam, e desejando que esses mesmos que acreditam respeitem o meu
direito de não poder esquecer a Inquisição e o Holocausto cada vez que alguém me
diz que somos o povo escolhido, ou que me recuse a assumir como própria a
maldade do mundo e venere e aplauda a bondade divina.
Por tudo isso e mais, eu pergunto a quem quiser responder:
¿QUE PENSARIAM OS CRENTES?.
Se eu dissesse.
.que deus é a fraude que ganha eleições ludibriando aos incautos
e é também a miséria sem remédio e a AIDS sem vacina e a fome sem comida
e a guerra onde morrem os mais pobres e colhem os louros os verdugos? ...
Se eu dissesse.
.que deus é o pai da desventura e a bandeira de todas as batalhas
e é também o despudor da partilha dos bens entre os poucos de sempre
e o artesão exclusivo de todas as maldades praticadas pelo Homem? ...
Se eu dissesse que.
.o deus que tudo pode é tão relativo como o amor ao próximo
e tão sem sentido como dizer benditos sejam os que sofrem
enquanto os que geram sofrimento e morte são benzidos em seu nome? ...
Se eu dissesse que.
...Deus é filho natural do nosso medo e pai de nossas angústias
e administrador de todos os pecados e capataz de todos os exércitos
e comandante-geral de todos os infernos?
Se eu dissesse que.
.deus é o criador do desequilíbrio orçamentário e patrocinador dos ditadores
e inventor do desemprego e senhor e proprietário dos meninos de rua e da
injustiça
e se isso fosse pouco reitor da Universidade Mundial do contra-senso? ...
Se eu dissesse que.
.ser deus é simplesmente ser humano como o vômito ou o abraço ou a libido
porque a maldade humana é o ventre materno de deus e de seus filhos
que para prova basta uma guerra um governo e um só século da história
do deus que criamos olhando no espelho o nosso umbigo? ...
Se eu dissesse isso e mais no mesmo estilo.
.estaria dizendo que somos nosso único deus onipotente
e por isso a fragilidade mais humana e retumbante.
E então, sim, e então...
... o que diriam os que sonham com um deus sentado numa nuvem e com um deus
que escolhe o seu povo preferido e com um deus que incita a matar em seu
nome
e a não questionar os dogmas que o sustentam? ...
O que diriam ao escutar que eu sou o deus da minha vida e você da sua
e o outro da própria e assim sucessivamente até que deus nos livre
do deus que pode mas não faz e que promete mas não cumpre,
porque com a nossa humana imperfeição nos basta e sobra?...
O que diriam, ein?...
...Amém?... Adeus a deus?... Deus dará?... Deus dirá?... O quê?... Não
estou ouvindo!...
(30 de abril/2005)
CooJornal
no 418
Bruno Kampel é analista político, poeta e
escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bruno.kampel@gmail.com
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Blog de Bruno Kampel: http://brunokampel.blogger.com.br
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