30/04/2005
Número - 418

ARQUIVO
BRUNO KAMPEL

 
Bruno Kampel



O direito de divergir



 

Desde que me entendo por gente  -  e  já completei meus primeiros  60 anos de vida - tenho constatado que as religiões (a nossa que conheço mais, e as outras duas monoteístas sobre as quais tenho lido não poucos livros) fazem uma divisão muito clara, indiscutível e definitiva: o Bem é obra de Deus e o Mal é produto do homem.

Também notei que a idéia de Deus não difere muito de uma religião para outra, e que quase todos os crentes têm dificuldades na hora de explicar com clareza o que acham que seja Deus: algo ou alguém?

Pude também comprovar o quanto as pessoas preferem aceitar como verdades sagradas os dogmas oferecidos por essas religiões (não esqueçamos que um dogma é uma afirmação sem fundamentos reais nem meios de ser comprovada, ou seja, um simples produto da fé cega em algo ou em alguma coisa) a ter que questionar esses dogmas.

Assim foi que cheguei aos dias de hoje, respeitando e invejando sadiamente aos que acreditam, e desejando que esses mesmos que acreditam respeitem o meu direito de não poder esquecer a Inquisição e o Holocausto cada vez que alguém me diz que somos o povo escolhido, ou que me recuse a assumir como própria a maldade do mundo e venere e aplauda a bondade divina.

Por tudo isso e mais, eu pergunto a quem quiser responder:

 
¿QUE PENSARIAM OS CRENTES?.

Se eu dissesse.

.que deus é a fraude que ganha eleições ludibriando aos incautos
e é também a miséria sem remédio e a AIDS sem vacina e a fome sem comida
e  a guerra onde morrem os mais pobres e colhem os louros os verdugos? ...

Se eu dissesse.

.que deus é o pai da desventura e a bandeira de todas as batalhas
e é também o despudor da partilha dos bens entre os poucos de sempre
e o artesão exclusivo de todas as maldades praticadas pelo Homem? ...  

Se eu dissesse que.

.o deus que tudo pode é tão relativo como o amor ao próximo
e tão sem sentido como dizer benditos sejam os que sofrem
enquanto os que geram sofrimento e morte são benzidos em seu nome? ...  

Se eu dissesse que.

...Deus é filho natural do nosso medo e pai de nossas angústias
e administrador de todos os pecados e capataz de todos os exércitos
e comandante-geral de todos os infernos? 

Se eu dissesse que.

.deus é o criador do desequilíbrio orçamentário e patrocinador dos ditadores
e inventor do desemprego e senhor e proprietário dos meninos de rua e da
injustiça
e se isso fosse pouco reitor da Universidade Mundial do contra-senso? ...

Se eu dissesse que.

.ser deus é simplesmente ser humano como o vômito ou o abraço ou a libido
porque a maldade humana é o ventre materno de deus e de seus filhos 
que para prova basta uma guerra um governo  e um  só século da história
do deus que criamos olhando no espelho o nosso umbigo? ...

 Se eu dissesse isso e mais no mesmo estilo.

.estaria dizendo que somos nosso único deus onipotente
e por isso a fragilidade mais humana e retumbante.

 E então, sim, e então...

... o que diriam os que sonham com um deus sentado numa nuvem e com um deus
que escolhe o seu povo preferido e com um deus que incita a matar em seu
nome
e a não questionar os dogmas que o sustentam? ...

O que diriam ao escutar que eu sou o deus da minha vida e você da sua
e o outro da própria e assim sucessivamente até que deus nos livre
do deus que pode mas não faz e que promete mas não cumpre,
porque com a nossa humana imperfeição nos basta e sobra?...

O que diriam, ein?...

...Amém?...  Adeus a deus?...  Deus dará?... Deus dirá?... O quê?... Não
estou ouvindo!...

 

(30 de abril/2005)
CooJornal no 418


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bruno.kampel@gmail.com  
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