Bruno Kampel
MIOPIA DEGENERATIVA
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Quando não se sabe identificar o
verdadeiro inimigo, ocorre o que acontece sistematicamente com a direita judia:
transforma a todos os adversários ideológicos em inimigos, e então o cético
passa a ser anti-semita, e o crítico vira nazista, e o humanista transforma-se
em traidor.
Sim. A direita política intolerante e caolha que hoje convida os soldados de
Israel a desobedecer às ordens da superioridade e abster-se de participar na
desocupação dos assentamentos de Gaza, e os seus sócios religiosos
fundamentalistas que pela boca dos seus rabinos (pisquéi halakhá/decretos
divinos) "sentenciam" que as terras são "nossas" e que os árabes são invasores
que devem ser expulsos (transferidos a outros países), consideram que:
Quem acusa a Ariel Sharon e seu "entourage" de haver traído com palavras e com
atos o espírito e os princípios sobre os quais se fundou o Estado de Israel, é
anti-semita.
Quem se opõe a que se anexem os territórios ocupados na Guerra de 1967 (única
das guerras desde a criação do Estado que foi iniciada por Israel), exigindo a
retirada dos mesmos (com os necessários retoques cosméticos de fronteira e um
status especial para Jerusalém), é anti-semita.
Quem protesta frente às tentativas dos fundamentalistas fanáticos judeus de
destruir o atual Estado de Israel para em seu lugar erigir o inviável Israel
bíblico dos contos de fadas, é anti-semita.
Todo judeu ou gentil que repete o que disseram os fundadores do Estado de Israel
(que a soberania é humana e não divina, e que ao aceitar a partilha da Palestina
fecharam-se as contas com o passado no que a território se refere) é
anti-semita.
E é assim que amigos fieis do povo judeu e do Estado de Israel como Mario Vargas
Llosa ou Jacques Chirac, e judeus do porte de um Daniel Baremboim ou de um Iossi
Beilin ou de um Shlomo Ben-Amí ou de um Itzhak Rabin, e movimentos
progressistas/humanistas - alguns multitudinários como Shalom Achshav/Paz Agora,
e outros menores porém igualmente humanistas, como B'Tselem ou Iachad (Méretz) -
são acusados de quinta-colunistas; de inimigos do seu próprio povo, sendo que um
desses próceres (Rabin) caiu vítima de um revólver carregado com os discursos
inflamatórios (hassatá pruá, em hebraico) da direita e extrema-direita
israelense (com Benjamin Netaniahu (atual ministro da fazenda) como seu maior
expoente e estandarte).
Essa direita que não economiza palavras para acusar os suicidas palestinos de
terroristas (o que de fato são), e a muitos líderes religiosos muçulmanos de
incitar à destruição de Israel (o que de fato acontece), mas cala e olha para
outro lado quando o governo de Israel bombardeia seletivamente mas mata
coletivamente a muitos inocentes por cada culpado, ou cala num gesto de
cumplicidade quando tantos líderes religiosos fundamentalistas judeus exigem a
expulsão de três milhões de palestinos das suas casas decretando como mitzvá
(obrigação moral) de todo judeu praticante a ocupação da terra dos outros, ou
exigem peremptoriamente que os palestinos suspendam a luta contra a força
ocupante (definida e permitida pelas Convenções de Genebra assinadas por
Israel), mas se omitem na hora de exigir a Israel que cumpra com as resoluções
224, 338 e seguintes do Conselho de Segurança das Nações Unidas que, com a
assinatura incluída dos Estados Unidos, determina que Israel deve abandonar os
territórios "conquistados" em 1967.
É por isso que todas essas campanhas publicitárias orquestradas pelo governo de
Israel e implementadas nas satrapias da diáspora, transformam-se em bumerangue,
pois geralmente a realidade não demora muito para desmentir a propaganda,
aumentando assim o grau de desconfiança e desconforto dos amigos de Israel por
um lado, e o anti-semitismo dos inimigos pelo outro.
Enquanto a direita israelense, associada aos fanáticos religiosos, procurar
demonizar a todos os judeus que não aceitam suas premissas como se elas fossem "torá
mi sinai" (as tábuas da lei), a fratura dentro do povo judeu será cada vez mais
difícil de consolidar. E isso, que ninguém duvide, atende aos interesses dos
anti-semitas, porque a História ensina que um povo dividido pelo ódio é presa
fácil dos seus inimigos.
Bem fariam, portanto, os apologistas do tudoparanósnadaparavós se contratassem
gente que entende do "metier", para que a sua "defesa” dos interesses de Israel
não produza o resultado contrário ao desejado, como vem acontecendo com
excessiva freqüência. Existem bons e sérios argumentos para utilizar, sem
necessidade de tirar da cartola acusações sem fundo, porque como bem diz o
ditado, a mentira tem pernas curtas.
Proibido esquecer - na hora de sair em defesa do atual governo de Israel - que
para o mundo (e não sem parte de razão) Israel é o agressor, já que a ocupação é
a alma mater de quase toda essa dor. O mal chamado povo palestino – é bom
lembrar - não era o inimigo a derrotar, já que o governo jordaniano era o alvo.
E curiosamente por um lado, após o fim dos combates firmou-se a paz com esse
governo, e desgraçadamente pelo outro, o preço dessa paz inter pares o está
pagando o mal chamado povo palestino, sendo que o troco desse pagamento o recebe
a gente inocente em Israel quando é explodida dentro de um ônibus ou enquanto
come um faláfel na porta da escola.
Espero e desejo que ninguém se apresse a tirar conclusões sobre nada do que
escrevi. Peço que primeiro comparem o dito com o ideário da esquerda israelense
em particular e com o discurso moderado das forças humanistas em geral, e também
com o que disseram os fundadores do Estado em relação aos pilares sobre os quais
deve repousar um Estado de Israel livre, laico, soberano e democrático.
Finalmente, peço a todos os judeus que - por favor - não esqueçam que Israel se
encontra às portas de uma guerra civil. O fundamentalismo religioso mais
extremista e o fundamentalismo político de igual teor dispõem de armamento
pesado e, o mais aterrador de tudo, ambos fazem gala de uma declarada disposição
de usá-lo contra o exército de Israel.
É desejável que aqueles que ocupam cargos relevantes nas instituições da
diáspora (Federações, Confederações, clubes, movimentos juvenis), façam ouvir a
sua voz no sentido de condenar - sem deixar pairar a menor das dúvidas - toda e
qualquer tentativa de grupos minoritários de enfrentar-se à decisão soberana da
Knésset (parlamento israelense) que votou pela evacuação de todos os
assentamentos da área de Gaza e de alguns da margem ocidental do rio Jordão. O
silêncio será entendido como um gesto de cumplicidade.
De uma coisa temos todos que estar muito, mas muito cientes: ou somamos, ou
sumimos.
(12 de março/2005)
CooJornal
no 411
Bruno Kampel é analista político, poeta e
escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bruno.kampel@gmail.com
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