Bruno Kampel
SEGREDOS DE ALCOVA
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Era sábado. Uma noite
excepcionalmente calorenta que não me ajudava a conciliar o sono, ainda que
finalmente consegui convencê-la de dar um jeitinho e assim finalmente pude
exercer o direito adquirido de dormir as merecidas oito horas diárias que tenho
creditadas no caderninho do tempo.
Como vêm, nada digno de ser contado, não fosse pelo fato de que fui vítima de um
estranho e belíssimo sonho erótico, e como de egoísta não tenho nem um pingo,
conto com prazer em poucas e simples palavras o roteiro do sonho, para que
captem o sentido que se esconde sob a superfície das letras e das frases.
Estava na minha cama, sozinho como de hábito nos últimos tempos. Melhor dizendo,
quase sozinho, porque de repente o calor olhou-me de soslaio e com uma só
piscada convidou-me a tirar a roupa, o que aceitei sem vacilar. Como bom escravo
da minha solidão escandinava, optei por ligar a TV para que as vozes e figuras
que ela fabrica me permitissem fazer de conta que estava acompanhado.
Fui pulando automaticamente de canal em canal sem olhar detidamente nem escutar
atentamente. O calor me umedecia de ponta a ponta e me grudava ao lençol como se
ele fosse a minha própria pele.
A escuridão do quarto era estuprada pelo reflexo da luz que o aparelho vomitava,
e eu, sem querer nem pedir, acabei sintonizando um canal que transmitia cenas
bastante... como dizer... inauditas e interessantíssimas.
Como quem não quer nada aumentei o volume para tratar de entender as palavras que
pronunciavam enquanto faziam o que faziam.
Bom, o que mais posso contar? Eram dois homens, mas pouco a pouco as imagens que
mostravam uns gestos que diziam tudo sem necessidade de palavras iam
apoderando-se de mim, e as palavras que finalmente diziam acariciavam os meus
ouvidos e faziam que suasse de emoção. Para que saibam o que aconteceu e sintam
um pouco de inveja, no momento em que os dois se abraçaram como se não quisessem
separar-se jamais, eu alcancei o clímax e tive o orgasmo solitário mais intenso
e interminável de toda a minha vida.
Agora que escrevo e relembro o acontecido, sinto-me novamente "ativado". Pena
que tudo não passou de ser um sonho erótico, ainda que de fato se tratasse de
uma cerimônia. Sim, para que conheçam até o último detalhe, tratava-se do
encontro no qual o primeiro ministro de Israel e o líder do povo palestino
assinavam a paz.
Como disse antes, um sonho verdadeiramente erótico. Foi a primeira vez que dois
homens conseguiram arrastar-me até as portas do Nirvana.
Quando acordei, o primeiro que fiz foi ler as manchetes dos jornais, as quais,
sem sequer levar em consideração o meu sonho, avisavam em letras garrafais que
enquanto eu gozava um suicida palestino explodiu-se numa festinha infantil em
Tel-Aviv, e que o exército de Sharon bombardeou duas escolas primárias em Jenín
- ou vice-versa - enquanto eu acordava do sonho.
Bom, contado está. Quem não acredite que foi um sonho verdadeiramente erótico,
não sabe o que significa a Paz para os povos de Israel e Palestina.
Aqui e agora na Suécia o relógio avisa é chegada a hora de ir dormir. Desejo uma
boa noite a todos vocês, e espero que sonhem sonhos que amanhã ao despertar os
jornais e todos os canais avisem aos quatro ventos que são uma doce e tangível
realidade.
(20 de novembro/2004)
CooJornal
no 395
Bruno Kampel é analista político, poeta e
escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se
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