06/11/2004
Número - 393

ARQUIVO
BRUNO KAMPEL

 
Bruno Kampel



ATEUS ESPERANDO UM MILAGRE

 

Sessenta e cinco de cada cem norte-americanos acreditam em fantasmas.

Trinta e seis de cada cem norte-americanos estão convencidos de que vivem entre nós muitos extraterrestres, e não são poucos os que afirmam tê-los visto pessoalmente.

Setenta e cinco de cada cem telespectadores da rede Fox não têm nenhuma dúvida de que Saddam Hussein é o responsável dos atentados do dia onze de setembro.

Sessenta e seis de cada cem membros da população adulta dos Estados Unidos acreditam que Saddam Hussein e Bin Laden são cúmplices.

Cinqüenta e quatro de cada cem norte-americanos acreditam em discos voadores e muitos deles afirmam tê-los visto.

Cinqüenta e dois de cada cem norte-americanos não sabem qual é a capital do estado de Nova Iorque.

Cinqüenta de cada cem norte-americanos maiores de idade jamais votaram nem têm intenções de fazê-lo no futuro.

O presidente é eleito por aproximadamente 20% da população.

O candidato mais votado pelo povo pode perder a eleição (como Al Gore no ano 2000) porque não é o povo que escolhe o presidente.

Em oito Estados mais de quatro milhões de cidadãos estão legalmente impedidos de votar pelo fato serem portadores de antecedentes penais (ainda que tenham cumprido a totalidade da pena),

Setenta e quatro de cada cem norte-americanos acreditam piamente que o céu depois da morte é um lugar concreto e não um conceito abstrato.

Cinqüenta e três de cada cem norte-americanos são favoráveis à pena de morte, ainda que exista o risco de que depois de executada se comprove que o condenado era inocente.

Também é importantíssimo recalcar o fato de que 95% dos governos de todo o mundo aceitarão – como sempre aceitaram – seguir as regras do jogo impostas por Washington, se não ao pé da letra, pelo menos não combatê-las publicamente, como no caso atual da Guerra do Iraque, quando alguns governos que nos discursos se opõem a essa guerra, na realidade mandam tropas para participar nela, e outros, como a felizmente desaparecida Espanha de Aznar, fazem ouvidos moucos aos apelos majoritários do povo e mandam tropas para morrer em nome da supremacia norte-americana.

Não menos crucial é o fato inconteste de que o interesse econômico prevalece sobre os direitos humanos de todos os humanos em muitíssimos paises do mundo, o que os irmana ideologicamente com o governo atual dos Estados Unidos.

Tampouco podemos esquecer que naqueles paises onde o povo sabe pouco e não quer saber mais, o que realmente importa para ganhar eleições é a imagem e não a mensagem; o jogo de cena y não os fatos; a mentira agradável e não a verdade dura e crua. Por isso é que tantos presidentes que falavam mas não faziam; que pareciam mas não eram; que brilhavam mas não era ouro, passaram pelos governos de quase todos os paises de quase todos os continentes.

E assim sucessivamente até vomitar ou claudicar, porque infelizmente - no caso das eleições americanas do dia 2 de novembro de 2004 - tanto os republicanos quanto os democratas dependiam de uma parcela importante do povo norte-americano que é totalmente tele dirigida; de uma maioria do povo norte-americano que é fã incondicional da simplificação tipo preto no branco; de uma maioria do povo norte-americano que é metodicamente amestrada desde a mais tenra infância para deixar-se seduzir por tudo aquilo que parece ser verdade e desejável não por aquilo que realmente o é; de uma maioria do povo norte-americano que crê piamente em bruxas escondidas nos telhados, e em milagres por encomenda, e em proteção divina para os que pensam como eles e castigo eterno para os que divergem; de uma maioria do povo norte-americano que tem como profeta indiscutível a algum dos milhares de predicadores televisivos que inundam e infestam os horários nobres de quase todos os canais do país do norte.

Moral da história? Ela é tão curta quanto dolorosa, e não requer dos serviços de explicadores profissionais que a traduzam a linguagem popular, porque consta de três simples palavras que refletem com claridade o próximo passo:

Socorro! S.O.S! Help!


Bruno Kampel, Suécia, 3 de novembro de 2004


P.D.: Se os últimos votos que faltam contar em Ohio desmentem o dito até aqui e invertem o resultado, serei então o mais feliz dos enganados e passarei a acreditar em milagres como quem acredita em si mesmo.



(06 de novembro/2004)
CooJornal no 393


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
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