Bruno Kampel
O OVO OU A GALINHA?
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Não somos poucos os que estamos
cansados de repetir e repetir e repetir o que para nós é a grande verdade: cada
morto palestino deve ser acrescentado à conta de Yasser Arafat e outros líderes
da ANP, porque eles não souberam conduzir o seu povo até a Paz por eles
prometida, e cada judeu inocente assassinado pelos fanáticos fundamentalistas
islâmicos deve ser adido à já longa conta (tanto em anos como em mortos) de
Ariel Sharon, que sob o pretexto de defender o Estado de Israel o que de fato
fez foi deixá-lo prostrado numa situação de total penúria ética, além de ter
minado a dignidade do povo, os princípios sobre os quais se fundou o Israel e as
possibilidades de um futuro viável para esse Estado.
Não temos o direito de esquecer que os fundamentalistas palestinos (Jihad com
todas as suas facções, Hammás e demais similares), jamais aceitaram a partição
da Palestina votada pela ONU em 1947, a mesma que deu origem ao Estado de
Israel.
De igual forma não podemos ignorar que as forças políticas que conduzem
atualmente o Estado de Israel - grande parte do partido Herut; remanescentes de
Lehi, Etzel, Stern e outros grupúsculos da extrema-direita judaica que se
dedicavam a torpedear os esforços de paz de Ben Gurion, Golda Meir e demais
companheiros do Palmách, matando não apenas ingleses e árabes, mas também judeus
– tampouco aceitaram renunciar ao Grande Israel bíblico.
De uma coisa muitos estamos certos: enquanto os líderes não arquivarem o passado
não estarão em condições de negociar o futuro.
De outra também: enquanto condenemos as atrocidades que comete o nosso inimigo
sem dar importância às que se cometem em nosso nome; enquanto combatamos o
terrorismo com terrorismo, a luz que brilhará no fim do túnel não será a da Paz,
mas a da lâmpada da porta do cemitério. Tanto para Israel quanto para o povo
palestino.
E desta também temos certeza absoluta: enquanto Israel não se retirar de
praticamente TODOS os territórios (com retoques cosméticos de fronteira),
continuará sendo considerado o principal culpado e também a maior vítima, porque
a ocupação é – além de um atropelo à legalidade nacional e internacional – um
câncer que tem transformado pouco a pouco o Estado de Israel numa republiqueta
antidemocrática, com cada vez mais miséria; com cada vez menos respeito aos
direitos humanos de todos os humanos; com cada vez maior peso político dos
grupos de pressão ultra-religiosos ou da extrema-direita laica que não aceitam
as regras do jogo democrático.
Proibido esquecer que um Estado de direito não pode atuar como um bando de
terroristas, e é isso o que Israel está fazendo:
1.- Assassinatos seletivos – A maior mancha preta na história recente do Estado,
pois não valem as desculpas, porque nada, absolutamente nada, autoriza a um
governo a atuar de forma criminosa para combater o crime.
2.- A construção do muro da vergonha – não apenas porque instaura novamente o
espírito do gueto que cada judeu leva impresso no DNA, mas porque foi construído
sobre terra que não pertence a Israel – mostra que a intenção foi e continua
sendo dupla: proteger e anexar.
3.- A vergonhosa campanha contra todos os paises e contra todas as pessoas que
se opõem à política do atual governo.
Tomemos como exemplo a França, que a pesar do grande contingente de muçulmanos
que habita no país (mais de cinco milhões), é um Estado que sempre ajudou e
protegeu à grande comunidade judaica que lá vive e que não deseja sair de lá e
ir para Israel nem que lhes paguem para isso. Apenas os que passam dificuldades
econômicas são candidatos potenciais para fazer aliá.
4.- Campanhas jornalísticas orquestradas pelo governo Sharon contra parcelas
importantíssimas da diáspora judaica (uma grande parte opõe-se à política de
Sharon), chegando-se ao extremo de acusar de traidores aos que ousam abrir a
boca para protestar contra a política de sangue imposta por Ariel Sharon e sua
trupe.
O que sim… que ninguém tenha a menor dúvida de que existem tantos ou mais
argumentos para com eles contestar a todos os que defendam a atuação do
fundamentalismo político e religioso muçulmano que dirige o apocalipse desde os
territórios ocupados (e sobre esta parte da história Sharon tem também parte de
culpa, pois se dedicou com tenacidade a destruir intencionalmente o único poder
moderador que existia: a Autoridade Nacional Palestina, acabando com a Policia
palestina que mantinha os movimentos terroristas sob vigilância e férreo
controle; destruindo o registro civil dos habitantes; aniquilando a pobre
infra-estrutura viária; desmantelando o próprio conceito de autoridade, etc.),
para poder afirmar, como o faz hoje, que não há com quem falar e muito menos com
quem dialogar e negociar.
Se bem ninguém pode acusar ou condenar os palestinos por matar soldados de
Israel ou colonos armados (porque são a força ocupante segundo a definem as leis
internacionais assinadas por Israel, o que as põe na linha de fogo da
insurgência palestina) sim podem ser acusados dos atentados suicidas e da morte
de inocentes por meio de foguetes Kassam ou de outro tipo de fabricação caseira
(não é difícil perceber que a mensagem deles ao disparar tais foguetes é
“….Olhem! Não há muro que possa conosco!...”
Somos muitos os que entendemos como primeiro passo e solução inicial do conflito
a interposição de uma força internacional (não apenas americana, porque é um
país nada imparcial), que separe de fato o que nunca esteve nem estará unido de
direito: Israel e Palestina.
Promover a retirada humana de todas as colônias, deixando intata a
infra-estrutura (casas, plantações, estradas, depósitos de água, etc.) que
deverão ser comprados ao Governo de Israel com fundos arrecadados nos paises
árabes ricos para serem usados pelo povo palestino no seu novo Estado
independente e soberano. Uma vez criado - o primeiro passo será dotá-lo de um
exército regular, porque é muito mais fácil combater a um exército que a grupos,
grupúsculos e grupinhos de terroristas anônimos, os quais passarão – por inércia
– a ser um problema do novo estado, já que provavelmente dedicar-se-ão a
desestabilizar o governo.
Uma vez completado todo esse processo, Israel poderá provar ao mundo que se
retirou definitivamente da quase totalidade dos territórios ocupados em 1967
(com pequenas correções de fronteira e incorporação definitiva de parte de
Jerusalém ao mapa do país, o que possibilitará que o mundo reconheça a Jerusalém
como capital do Israel, coisa que hoje apenas a Costa Rica reconhece), e que
dita retirada confirma que Israel deseja ardentemente a Paz com os seus
vizinhos, e a maior prova disso será a capital comum aos dois estados:
Jerusalém.
A partir desse momento Israel voltará a ser um país digno das tradições
milenares do povo judeu, e, se depois acontecesse a desgraça de ser atacado pelo
exército palestino, teria então todo o direito e o apóio internacional para
defender-se com todas as armas que disponha.
Bem, o tema é inesgotável. Sinceramente penso que estou falando por muitos ao
não esconder o fato de que sou muito pessimista quanto às possibilidades reais
de que o conflito possa ser solucionado a curto prazo, já que a dinâmica atual
requer líderes que queiram revertê-la, e esses líderes inexistem no atual mapa
político. E se para desgraça do mundo (assim pensamos muitos) Bush repete
mandato, não vejo que possa solucionar-se a meio nem a longo prazo, e então o
único que nos restará será lamentar-nos ao comprovar uma vez mais que começar a
odiar e a matar é muito mais fácil que terminar de odiar ou de matar. Tomara a
realidade me desminta.
(30 de outubro/2004)
CooJornal
no 392
Bruno Kampel é analista político, poeta e
escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se
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