30/10/2004
Número - 392

ARQUIVO
BRUNO KAMPEL

 
Bruno Kampel



O OVO OU A GALINHA?


 

Não somos poucos os que estamos cansados de repetir e repetir e repetir o que para nós é a grande verdade: cada morto palestino deve ser acrescentado à conta de Yasser Arafat e outros líderes da ANP, porque eles não souberam conduzir o seu povo até a Paz por eles prometida, e cada judeu inocente assassinado pelos fanáticos fundamentalistas islâmicos deve ser adido à já longa conta (tanto em anos como em mortos) de Ariel Sharon, que sob o pretexto de defender o Estado de Israel o que de fato fez foi deixá-lo prostrado numa situação de total penúria ética, além de ter minado a dignidade do povo, os princípios sobre os quais se fundou o Israel e as possibilidades de um futuro viável para esse Estado.

Não temos o direito de esquecer que os fundamentalistas palestinos (Jihad com todas as suas facções, Hammás e demais similares), jamais aceitaram a partição da Palestina votada pela ONU em 1947, a mesma que deu origem ao Estado de Israel.

De igual forma não podemos ignorar que as forças políticas que conduzem atualmente o Estado de Israel - grande parte do partido Herut; remanescentes de Lehi, Etzel, Stern e outros grupúsculos da extrema-direita judaica que se dedicavam a torpedear os esforços de paz de Ben Gurion, Golda Meir e demais companheiros do Palmách, matando não apenas ingleses e árabes, mas também judeus – tampouco aceitaram renunciar ao Grande Israel bíblico.

De uma coisa muitos estamos certos: enquanto os líderes não arquivarem o passado não estarão em condições de negociar o futuro.

De outra também: enquanto condenemos as atrocidades que comete o nosso inimigo sem dar importância às que se cometem em nosso nome; enquanto combatamos o terrorismo com terrorismo, a luz que brilhará no fim do túnel não será a da Paz, mas a da lâmpada da porta do cemitério. Tanto para Israel quanto para o povo palestino.

E desta também temos certeza absoluta: enquanto Israel não se retirar de praticamente TODOS os territórios (com retoques cosméticos de fronteira), continuará sendo considerado o principal culpado e também a maior vítima, porque a ocupação é – além de um atropelo à legalidade nacional e internacional – um câncer que tem transformado pouco a pouco o Estado de Israel numa republiqueta antidemocrática, com cada vez mais miséria; com cada vez menos respeito aos direitos humanos de todos os humanos; com cada vez maior peso político dos grupos de pressão ultra-religiosos ou da extrema-direita laica que não aceitam as regras do jogo democrático.

Proibido esquecer que um Estado de direito não pode atuar como um bando de terroristas, e é isso o que Israel está fazendo:

1.- Assassinatos seletivos – A maior mancha preta na história recente do Estado, pois não valem as desculpas, porque nada, absolutamente nada, autoriza a um governo a atuar de forma criminosa para combater o crime.

2.- A construção do muro da vergonha – não apenas porque instaura novamente o espírito do gueto que cada judeu leva impresso no DNA, mas porque foi construído sobre terra que não pertence a Israel – mostra que a intenção foi e continua sendo dupla: proteger e anexar.

3.- A vergonhosa campanha contra todos os paises e contra todas as pessoas que se opõem à política do atual governo.

Tomemos como exemplo a França, que a pesar do grande contingente de muçulmanos que habita no país (mais de cinco milhões), é um Estado que sempre ajudou e protegeu à grande comunidade judaica que lá vive e que não deseja sair de lá e ir para Israel nem que lhes paguem para isso. Apenas os que passam dificuldades econômicas são candidatos potenciais para fazer aliá.

4.- Campanhas jornalísticas orquestradas pelo governo Sharon contra parcelas importantíssimas da diáspora judaica (uma grande parte opõe-se à política de Sharon), chegando-se ao extremo de acusar de traidores aos que ousam abrir a boca para protestar contra a política de sangue imposta por Ariel Sharon e sua trupe.

O que sim… que ninguém tenha a menor dúvida de que existem tantos ou mais argumentos para com eles contestar a todos os que defendam a atuação do fundamentalismo político e religioso muçulmano que dirige o apocalipse desde os territórios ocupados (e sobre esta parte da história Sharon tem também parte de culpa, pois se dedicou com tenacidade a destruir intencionalmente o único poder moderador que existia: a Autoridade Nacional Palestina, acabando com a Policia palestina que mantinha os movimentos terroristas sob vigilância e férreo controle; destruindo o registro civil dos habitantes; aniquilando a pobre infra-estrutura viária; desmantelando o próprio conceito de autoridade, etc.), para poder afirmar, como o faz hoje, que não há com quem falar e muito menos com quem dialogar e negociar.

Se bem ninguém pode acusar ou condenar os palestinos por matar soldados de Israel ou colonos armados (porque são a força ocupante segundo a definem as leis internacionais assinadas por Israel, o que as põe na linha de fogo da insurgência palestina) sim podem ser acusados dos atentados suicidas e da morte de inocentes por meio de foguetes Kassam ou de outro tipo de fabricação caseira (não é difícil perceber que a mensagem deles ao disparar tais foguetes é “….Olhem! Não há muro que possa conosco!...”

Somos muitos os que entendemos como primeiro passo e solução inicial do conflito a interposição de uma força internacional (não apenas americana, porque é um país nada imparcial), que separe de fato o que nunca esteve nem estará unido de direito: Israel e Palestina.

Promover a retirada humana de todas as colônias, deixando intata a infra-estrutura (casas, plantações, estradas, depósitos de água, etc.) que deverão ser comprados ao Governo de Israel com fundos arrecadados nos paises árabes ricos para serem usados pelo povo palestino no seu novo Estado independente e soberano. Uma vez criado - o primeiro passo será dotá-lo de um exército regular, porque é muito mais fácil combater a um exército que a grupos, grupúsculos e grupinhos de terroristas anônimos, os quais passarão – por inércia – a ser um problema do novo estado, já que provavelmente dedicar-se-ão a desestabilizar o governo.

Uma vez completado todo esse processo, Israel poderá provar ao mundo que se retirou definitivamente da quase totalidade dos territórios ocupados em 1967 (com pequenas correções de fronteira e incorporação definitiva de parte de Jerusalém ao mapa do país, o que possibilitará que o mundo reconheça a Jerusalém como capital do Israel, coisa que hoje apenas a Costa Rica reconhece), e que dita retirada confirma que Israel deseja ardentemente a Paz com os seus vizinhos, e a maior prova disso será a capital comum aos dois estados: Jerusalém.

A partir desse momento Israel voltará a ser um país digno das tradições milenares do povo judeu, e, se depois acontecesse a desgraça de ser atacado pelo exército palestino, teria então todo o direito e o apóio internacional para defender-se com todas as armas que disponha.

Bem, o tema é inesgotável. Sinceramente penso que estou falando por muitos ao não esconder o fato de que sou muito pessimista quanto às possibilidades reais de que o conflito possa ser solucionado a curto prazo, já que a dinâmica atual requer líderes que queiram revertê-la, e esses líderes inexistem no atual mapa político. E se para desgraça do mundo (assim pensamos muitos) Bush repete mandato, não vejo que possa solucionar-se a meio nem a longo prazo, e então o único que nos restará será lamentar-nos ao comprovar uma vez mais que começar a odiar e a matar é muito mais fácil que terminar de odiar ou de matar. Tomara a realidade me desminta.


(30 de outubro/2004)
CooJornal no 392


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
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