25/09/2004
Número - 387

ARQUIVO
BRUNO KAMPEL

 
Bruno Kampel



VIOLÊNCIA TERRORISTA: CAUSA OU EFEITO?


 

O nível de violência e desumanidade dos terroristas é quase sempre um produto do nível de violência e desumanidade dos governantes.

Ou alguém acredita realmente que existiria terrorismo se tantos governos de tantos países de tantos continentes não se dedicassem a proteger a uma elite de apaniguados para que esta possa apropriar-se impunemente de todos os meios de produção e de todas as fontes do capital e de todas as vantagens pecuniárias reais e imaginárias, deixando que grande parte de população afunde primeiro na pobreza e finalmente na miséria?

Ou alguém acredita realmente que existiria terrorismo se os governos e os parlamentos fossem justos na hora de legislar e na de arrecadar os impostos e na de destinar aos serviços sociais uma fatia do orçamento suficiente para impedir que a fome e a desproteção social disseminem as suas metástases letais na maioria dos lares da maioria dos países da maioria dos continentes?

Ou alguém acredita que existiria terrorismo se as promessas eleitorais (onde há eleições) fossem cumpridas, e se a Justiça Social fosse obrigatória, e principalmente, se as intenções dos governantes tivessem como objetivo único e exclusivo o bem comum?

Ou alguém acredita realmente que existiria terrorismo se fossem respeitados os direitos nacionais de povos submetidos à soberania estrangeira, já seja por obra e graça de tratados impingidos pelos vencedores aos vencidos, já seja pela anexação de facto (manu militari) ou de iure (tratados bilaterais) de parte de territórios ou de povos com características étnicas, história e língua diversas da do ocupante e/ou anexante?

Não e não e não. Não existiria o terrorismo na proporção alucinante do presente, já que toda ação – a curto ou a longo prazo – gera uma reação de igual ou maior proporção. Proibido ignorar – sob pena de pagar um alto preço - que o terrorismo precisa desesperadamente motivos reais e razões de peso para poder deitar raízes, desabrochar e frutificar.

Convém não esquecer que sob os cintos carregados de dinamite dos suicidas, ou na mochila dos guerrilheiros, ou nas entrelinhas dos discursos apocalípticos dos porta-vozes do fundamentalismo político e/ou religioso, jazem muitas verdades indiscutíveis e não menos injustiças intoleráveis, todas elas filhas bastardas de governos que legislam leis flagrantemente discriminatórias que propiciam e protegem o abuso ilimitado do poder, que é o pai de todos os terrorismos.

Não podemos nem devemos esquecer que comprar um avião de guerra custa mais do que construir três mil casas populares, e que o preço de um tanque é similar ao custo de um hospital rural, e que uma bomba inteligente custa tanto quanto os remédios necessários para atender a cinco mil doentes sem recursos, e que enquanto os governos continuem optando por comprar o avião e o tanque e a bomba inteligente, e não as casas populares, e não o hospital e não os remédios, os motivos que justificam o terrorismo aos olhos de muitos estarão presentes e latentes, e nós, os passageiros inocentes do trem da vida, seremos como sempre os que paguem a conta dos aviões e dos tanques e das bombas cada vez mais inteligentes, e principalmente, seremos candidatos a engrossar a interminável lista dos mortos inocentes.


(25 de setembro/2004)
CooJornal no 387


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
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