Não é lá muito difícil "adivinhar" o futuro imediato.
A diferença mais determinante será que o computador finalmente deixará
de ser um apêndice secundário ainda que necessário do ser humano, pois
o Pitecantropus mais ou menos Erectus que nos habita; sim, o tal do
homo cada vez menos sapiens em tudo aquilo que se refere ao lado
intelectual e emocional da sua própria pessoa, terá renunciado sem
resistência a esse papel secundário de amo e senhor de si mesmo que
protagoniza atualmente, e passará a ocupar o lugar que o progresso lhe
conferirá.
Nesse novo cenário que o futuro já está construindo enquanto
digitalizamos nossas emoções e imprimimos nossos vazios e prazeres,
deixará para sempre de usar o computador como um mero instrumento
auxiliar de conhecimento, transformando-se numa simples extensão do
mesmo, e o PC, em agradecimento pela rendição sem luta do ser de carne
e osso, eliminará com um simples Delete/Apagar todas as preocupações,
todas as perguntas sem resposta, todos os poréns da vida do seu novo
dependente, e este, num simples abrir e fechar de programa aprenderá o
que deve dizer, quando deve fazê-lo, quem é que manda, por quê deve
obedecer, e claro, não poderia faltar, quando deve memorizar o livro,
o conto, o poema, o discurso ou a consigna virtual que o instrutor
cibernético lhe indicará.
Depois de efetuar o download do livro, do conto, do poema, do discurso
ou da consigna virtual, receberá um e-mail codificado com o comentário
sobre o significado de dito livro, conto, poema, discurso ou consigna,
e um perfil em formato .txt de cada um dos personagens ou pontos
importantes, e como corolário uma imagem .gif que resumirá aquilo que
deverá lembrar sobre o tema, e finalmente o computador se desconectará
do usuário até que o necessite novamente para instruí-lo nas artes da
maravilhosa vida cibernética.
Os poucos que nos oponhamos a essa tiranía megabáitica (sim, desde já
me incluo) seremos internados em centros de reeducação financiados com
o 0,7% dos lucros da Microsoft, e os que apesar disso não possamos
adaptar-nos ao novo modus vivendi, seremos enviados a
Guantânamo ou à Disneyworld para que lá cumpramos a condena de viver
enjaulados dentro de minúsculos arquivos .zip que impedirão todo e
qualquer movimento devido à compactação que teremos sofrido, ainda que
como sempre ocorreu ao longo da longa História, poderão impedir que
nos mexamos, que nos olhemos, que nos falemos, que nos toquemos, que
atuemos, que contestemos, que discutamos, que gritemos, que defendamos
e que acusemos, mas não há nem haverá programa internáutico nem futuro
cibernético nem password indecifrável que impeça aos poucos que por
princípio jamais se ajoelham submissos, o pleno exercício do direito
de pensar, e os construtores da futura vida eletrônica sabem muito bem
sabido que a liberdade de pensamento é um vírus letal e indestrutível
que mais cedo ou mais tarde encontrará a fórmula mágica que desative
para sempre o programa pirata que manipulou e manipula o código
genético da humanidade e usurpou e usurpa o comando, transformando
seres humanos cheios de maravilhosas falhas de fabricação, em máquinas
cuja perfeição é a melhor prova da sua completa inutilidade.
Quando isso acontecer – e que nenhum disco duro por mais gigas que use
como armadilhas, ou qualquer chip de destruição massiva que viva à
espreita, ou os gênios de laboratório que ultimam os preparativos para
transformar mentes em arquivos e livre arbítrio em doença mortal pense
que poderá evitá-lo, voltaremos todos a ser felizes para sempre com as
nossas dores verdadeiras, com os nossos fracassos reais, com as nossas
mentiras fatais, com as nossas verdades parciais, com a nossa
insegurança, com a nossa esperança.
<Send>Resistiremos!</Sent>
(30 de janeiro/2004)
CooJornal
no 353
Bruno Kampel é analista político, poeta e
escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se
http://kampel.com/poetika/brunokampel.htm
Blog de Bruno Kampel: http://brunokampel.blogger.com.br