23/01/2004
Número - 352


 
Bruno Kampel



A soma que subtrai

Agora que o problema ficou solucionado, posso contar a vocês o drama que vivi faz alguns dias. Tudo começou quando acordei, e até deitar quase à meia-noite não consegui solucioná-lo, ainda que - confesso - fiz um grande esforço para encontrar a fórmula que me permitisse ficar livre dele.

Para pior, os males nunca vêm desacompanhados, pois passei esse nefasto dia sozinho, sem qualquer ser humano de carne e osso ao qual pudesse ter pedido uma ajuda concreta, ou pelo menos um conselho de amigo, ou como mínimo um abraço fraterno.

A verdade é que nós somos tão crédulos, tão pretensamente auto-suficientes, tão doentiamente egocêntricos, que pensamos poder resolver todos os nossos problemas sem ajuda alheia, porque acreditamos que a experiência de vida nos ensinou os truques e as manhas para num abrir e fechar de olhos derrotar à desventura que nos ataca pelas costas ou à desesperança que nos espreita desde o espelho.

De fato, situações do tipo da que vivi nesse dia não há experiência que as neutralize nem sabedoria que as hipnotize. Nem que a vaca tussa.

Pois é... Para que saibam de que é que estou falando, conto-lhes que faz alguns dias foi o meu aniversário. E já vão cinqüenta e nove. E para pior, a tal da idade aproveitou a oportunidade para avisar-me que não pretende parar de adicionar anos à conta corrente da minha vida.

Imaginam então o tamanho, a profundidade e o peso específico do meu drama?... Façam o cálculo que eu fiz: Envelhecer sendo jovem. Soprar as cinqüenta e nove velas do meu barco sem ajuda do vento. Tratar de encontrar palavras para justificar o passo inexorável do tempo, mas descobrir que não há palavras que o definam, porque o Tempo é uma metáfora que se escreve sem palavras.

Bom, não creio que seja necessário continuar explicando, porque para bom entendedor...

O único que realmente importa é que hoje, já recuperado do tombo que levei faz uns dias ao pisar na casca de banana dos anos, sinto-me mais jovem que antes, e em razão disso é que decidi contar-lhes o drama que me tocou como prêmio no sorteio da loteria da vida.

Uma coisa devo dizer para que não caiam na mesma armadilha que eu: qualquer semelhança do que contei com angústias parecidas, ou com a famosa sensação de secura na boca, ou com a conhecida vertigem que produz o cair em vôo livre no fundo do nosso precipício interior, que tenham sido vividas em qualquer época ou lugar por um ou por alguns de vocês, não deve ser tomada como uma simples coincidência, mas pelas dúvidas convém tratar de subornar ao Tempo para que os minutos que passam e os dias que correm e os meses que voam e os anos que partem, nos ensinem a envelhecer com sabedoria, pois essa lição sem dúvida é o melhor presente de aniversário que podemos receber.

Pena que não pensei nisso na hora em que o desespero me empurrava para dentro do beco sem saída da minha vetusta solidão.

Hoje, felizmente recuperado e um pouco mais velho, ainda que muito mais jovem, é que me animei a contar a vocês o drama que vivi no início da semana.

 

(23 de janeiro/2004)
CooJornal no 352

Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se 
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Blog de Bruno Kampel: http://brunokampel.blogger.com.br