Agora que o problema ficou solucionado, posso contar a vocês o drama
que vivi faz alguns dias. Tudo começou quando acordei, e até deitar
quase à meia-noite não consegui solucioná-lo, ainda que - confesso -
fiz um grande esforço para encontrar a fórmula que me permitisse ficar
livre dele.
Para pior, os males nunca vêm desacompanhados, pois passei esse
nefasto dia sozinho, sem qualquer ser humano de carne e osso ao qual
pudesse ter pedido uma ajuda concreta, ou pelo menos um conselho de
amigo, ou como mínimo um abraço fraterno.
A verdade é que nós somos tão crédulos, tão pretensamente
auto-suficientes, tão doentiamente egocêntricos, que pensamos poder
resolver todos os nossos problemas sem ajuda alheia, porque
acreditamos que a experiência de vida nos ensinou os truques e as
manhas para num abrir e fechar de olhos derrotar à desventura que nos
ataca pelas costas ou à desesperança que nos espreita desde o espelho.
De fato, situações do tipo da que vivi nesse dia não há experiência
que as neutralize nem sabedoria que as hipnotize. Nem que a vaca
tussa.
Pois é... Para que saibam de que é que estou falando, conto-lhes que
faz alguns dias foi o meu aniversário. E já vão cinqüenta e nove. E
para pior, a tal da idade aproveitou a oportunidade para avisar-me que
não pretende parar de adicionar anos à conta corrente da minha vida.
Imaginam então o tamanho, a profundidade e o peso específico do meu
drama?... Façam o cálculo que eu fiz: Envelhecer sendo jovem. Soprar
as cinqüenta e nove velas do meu barco sem ajuda do vento. Tratar de
encontrar palavras para justificar o passo inexorável do tempo, mas
descobrir que não há palavras que o definam, porque o Tempo é uma
metáfora que se escreve sem palavras.
Bom, não creio que seja necessário continuar explicando, porque para
bom entendedor...
O único que realmente importa é que hoje, já recuperado do tombo que
levei faz uns dias ao pisar na casca de banana dos anos, sinto-me mais
jovem que antes, e em razão disso é que decidi contar-lhes o drama que
me tocou como prêmio no sorteio da loteria da vida.
Uma coisa devo dizer para que não caiam na mesma armadilha que eu:
qualquer semelhança do que contei com angústias parecidas, ou com a
famosa sensação de secura na boca, ou com a conhecida vertigem que
produz o cair em vôo livre no fundo do nosso precipício interior, que
tenham sido vividas em qualquer época ou lugar por um ou por alguns de
vocês, não deve ser tomada como uma simples coincidência, mas pelas
dúvidas convém tratar de subornar ao Tempo para que os minutos que
passam e os dias que correm e os meses que voam e os anos que partem,
nos ensinem a envelhecer com sabedoria, pois essa lição sem dúvida é o
melhor presente de aniversário que podemos receber.
Pena que não pensei nisso na hora em que o desespero me empurrava para
dentro do beco sem saída da minha vetusta solidão.
Hoje, felizmente recuperado e um pouco mais velho, ainda que muito
mais jovem, é que me animei a contar a vocês o drama que vivi no
início da semana.
(23 de janeiro/2004)
CooJornal
no 352
Bruno Kampel é analista político, poeta e
escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se
http://kampel.com/poetika/brunokampel.htm
Blog de Bruno Kampel: http://brunokampel.blogger.com.br