Tem gente que não gosta de sorvete. Outros detestam pizza. Mas não é
pensando neles que escrevo esta nota, mas naqueles que não aprovam que
num meio como este - dedicado a assuntos "sérios" - se publique um
poema de amor, ou um conto fantástico, ou uma crônica do quotidiano.
Pois muito bem: se algum dos leitores não gostar de que de vez em
quando apareça aqui com uma poesia ou com uma prosa poética,
sugiro-lhe que vá agora mesmo até o prédio mais alto do seu bairro e
peça licença ao proprietário da cobertura para subir ao teto do
edifício (quanto mais alto, melhor), e uma vez lá, que se aproxime da
beira e dê os seguintes passos, nesta ordem: primeiro, que olhe para
baixo, para as coloridas copas das árvores que não deixam ver a
calçada de tão coalhadas de folhas que estão; depois, que levante a
vista e olhe para o céu, estupidamente azul, manchado aqui e acolá por
pequenas nuvens que transitam celeremente, e logo, num grand finale,
que imite os movimentos delicados das gaivotas que desfilam pela
passarela que fica entre o sol do céu azul e as árvores da superfície
terrestre, e num último e definitivo gesto abra os braços, e rezando a
oração que mais a emocionar, agradeça a seu Deus por toda a poesia que
existe no ar, e pelos passarinhos que aninham nas copas das árvores, e
pelas nuvens que vem e que vão, e pelo bom que é estar vivo, e pelo
maravilhoso que é estar com saúde.
Depois, e sem necessidade de palavras - bastando um olhar cheio de
ternura para a paisagem - que diga adeus a esse momento de
sensibilidade e faça o caminho de volta ao seu computador, e em lá
chegando digite um comentário para que nós - pobres mortais - possamos
usufruir um pouco da poesia que escreveu nas páginas da
sua própria vida.
(23 de outubro/2003)
CooJornal
no 337
Bruno Kampel é analista político, poeta e
escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se
http://kampel.com/poetika/brunokampel.htm
Blog de Bruno Kampel: http://brunokampel.blogger.com.br