Bruno Kampel
MANIFESTO DAS OVELHAS NEGRAS |
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Nota do autor:
Esta é a versão completa do texto publicado parcialmente nesta coluna
há alguns meses.
Pesando e medindo atos e fatos da vida, e comparando alguns projetos
com seus resultados, é fácil concluir que geralmente os desafinados
somos nós e não a vida ou os projetos ou seus resultados; apenas nós,
os poucos que obstinadamente insistimos em pedir pêras à macieira; os
raros que teimosamente não renunciamos a procurar formigueiros no
asfalto; os extravagantes que preferimos ser surdos num discurso e
mudos num concerto, porque o que realmente procuramos são as pequenas
perguntas que desafiam, e não as grandiloqüentes respostas que
satisfazem.
Somos o que convencionou-se definir como verdadeiras e abomináveis
ovelhas negras, sem pôr nem tirar, e não temos problemas de confessar
sem rubor que isso honra-nos muito, pois por temperamento preferimos
cultivar idéias no jardim dos fundos da nossa existência a ter que
invejar as roseiras que nos olham desde o jardim do nosso vizinho;
optamos sempre por plantar uma árvore na esquina da nossa própria
verdade antes que podar as galhos que dão sombra à estrada pela qual
transita a verdade de nossos adversários; escolhemos sempre cuidar a
grama que cresce entre as estrofes do nosso ideário ou nas entrelinhas
dos nossos fracassos, a ter que apará-la para satisfazer o gosto
alheio; e principalmente, escolhemos lavar e passar as nossas velhas e
surradas utopias - essas que jazem no fundo da gaveta das boas
intenções - a ter que abaixar os braços e aceitar as ordens
peremptórias e quase sempre sem sentido dessa déspota chamada
Realidade; e sabe-se lá mais o quê, ou vai ver que sim sabe-se lá
muito bem o quê, mas o que verdadeiramente importa é que tratemos
todos de ser mais felizes do que merecemos e muito menos infelizes do
que mereçamos, e nada mais.
É portanto imperativo desejar que o tempo nos ensine a sintonizar com
maior precisão a freqüência na qual se transmitem os interesses do
próximo, e quem sabe, como prêmio, esse mesmo tempo faça que o próximo
fique um pouquinho mais tolerante toda vez que esbarrar numa idéia
desagradável que proponhamos, num pensamento antagônico que
manifestemos, ou numa ideologia diferente que defendamos, já que todos
estamos à procura de pontes e não de precipícios; de temas que
obriguem a pensar e não de distrações que convidem a esquecer; de
batalhas dialéticas que forjem nosso caráter, e não de simples
vitórias que o deformem.
Em razão do acima exposto, propomos:
1.- Que o cinza chumbo seja
definitivamente expulso do arco-íris, e que o desejo de vingança peça
concordata, e que o abuso de direito seja encarcerado sem fiança.
2.- Que se degrade o Ódio à categoria de Antagonismo, perdendo assim
os benefícios que o grau anterior lhe concedia, como seja matar sem
pedir licença ou pintar com sangue as palavras ou vestir de luto os
discursos.
3.- Que os dedos não mais sejam usados para apertar gatilhos, nem as
mãos para cravar punhais, nem os olhos para matar olhando, nem a boca
para cuspir mentiras, nem o verbo para semear discórdia, nem o ouro
para comprar consciências.
4.- Que se proíba terminantemente morrer pela Pátria e se convide em
todos os canais y em todas as revistas e jornais a fazer exatamente o
contrário: viver por ela.
5.- Que o discorrer das horas, dos dias e semanas, dos meses e dos
anos, gere instantes de prazer, minutos de alegria, horas
aproveitáveis, dias frutíferos, semanas produtivas, meses
gratificantes, anos plenos de esperança.
6.- Que se suspenda definitivamente o patrocínio comercial de todas as
guerras por mais ou menos santas que forem, e que se puna severamente
a publicidade dos fabricantes da ignomínia.
7.- Que se permita o retorno da Inocência Perdida desde o injusto
desterro ao qual fora condenada sem processo, e seja convidada a
ocupar o lugar de honra que merece.
8.- Que nunca mais floresçam mortos anônimos nos jardins das
ditaduras, e que jamais a desvergonha volte a semear com vítimas
inocentes dos danos colaterais o registro sensitivo dos povos.
9.- Que as bombas inteligentes sejam aposentadas e um manto real de
teias de aranha lhes sirva de mortalha nos escuros porões dos museus,
e que os líderes bem menos inteligentes do que as bombas que
fabricaram os arquitetos da morte murchem no viveiro do tempo sem pena
nem glória, e seus nomes desapareçam para sempre das páginas da
História que eles ajudaram a manchar com sangue inocente e lágrimas de
dor.
10.- Que os punhos fechados se abram em
mãos estendidas ao próximo, e que a paz rompa os grilhões, e que a
verdade tenha finalmente o direito de dizer a última palavra.
(16 de outubro/2003)
CooJornal
no 336
Bruno Kampel é analista político, poeta e
escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se
http://kampel.com/poetika/brunokampel.htm
Blog de Bruno Kampel: http://brunokampel.blogger.com.br
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