Bruno Kampel
CÍRCULO VICIOSO II
|
|
Desse cenário insensato em que se transformou o Oriente Médio, emerge uma
verdade irrefutável: nada disso estaria acontecendo se os financiadores do
terror islâmico não morassem em Riad ou Teheran, mas estivessem
domiciliados em Gaza ou Hebrón; não em Abu Dahbi ou Damasco, mas em
Kalkilia ou Tul Karem, onde estivessem bem ao alcance da impunidade de uma
bomba israelense; ou se os políticos de Israel e seus familiares viajassem
em ônibus de linha e não em Volvos ou BMWs blindados a prova de balas, de
bombas, de suicidas.
Desse cenário insensato em que se transformou o Oriente Médio, emerge
outra verdade irrefutável: os líderes palestinos são os únicos
responsáveis da morte dos inocentes palestinos caídos como conseqϋência
dos ataques israelenses nesse círculo vicioso, e os líderes israelenses
são os únicos responsáveis pela morte dos inocentes judeus explodidos em
covardes ataques suicidas, porque quando os fundamentalistas vingam a
morte de um deles, o que estão fazendo é convidar a Israel a vingar a
morte das suas vítimas, e quando Israel explode casas ou mata como remédio
preventivo, o que está fazendo é convidar a Hammás e Jihad e todos os
grupos terroristas a vingar a morte de seus membros explodindo-se na porta
de uma escola ou dentro de um mercado.. E assim sucessivamente, até que a
morte os una para sempre.
DIREITOS HUMANOS
Por onde será que andam os direitos humanos?...
Rumores não faltam. Nos bastidores da realidade juram que Sharon os mantém
confinados entre quatro palavras: intolerância, fanatismo, fundamentalismo
e ódio.
Tampouco faltam os que cochicham a gritos que não é verdade, e juram que
viram quando um suicida palestino encostou-se a eles e ao grito de Smá
Jihad! voou pelos ares levando-os consigo para o nunca mais.
E existem também os que alegam ter provas de que estão confinados nas
masmorras do Vaticano, pois são considerados pela hierarquia eclesiástica
como um concorrente que deve ser combatido com todas as armas.
Outros poucos - olhando a floresta e também a árvore - confirmam que as
três versões são verdadeiras.
Enfim, seja no cárcere privado de Sharon, nas masmorras do palácio
vaticano ou no fanatismo homicida de Hammás e similares, o fato é que os
direitos humanos estão desaparecidos. Sua omissão diz muito. Sua ausência
nos princípios e valores daqueles que nos governam diz tudo. E o silêncio
cúmplice de muitos de nós, então, fecha o círculo vicioso que mais cedo ou
mais tarde agitará as até agora aprazíveis águas do nosso mar da
tranqüilidade.
A QUADRATURA DO CÍRCULO
Todo genocídio começa com um simples assassinato. Toda inundação tem sua
origem numa primeira gota de água. Nazismo, por essa razão, não é apenas o
resultado que provoca, mas principalmente o motivo que o gera.
O nazismo é um assustador bicho-papão, a maior ignomínia praticada no
século XX, e para nós judeus, a pior catástrofe humana de nossa longa
História, ainda que não a única, e espero que seja a última.
A magnitude do resultado provocado por essa ideologia intolerante é
tamanha, que ainda nos condiciona - como judeus - em quase tudo, mesmo que
o nazismo como sistema político não mais exista.
O nacional-socialismo não teria sido imaginável sem os 2.000 anos de
catequese anti-semita. Portanto, o nazismo como expressão do ódio em
relação aos judeus não é apenas um instante fugaz da História, como muitos
gostam de simplificar, mas o produto de uma tenaz campanha milenária
contra o d''s dos judeus, contra os escritores do Livro e a favor dos que
o plagiaram, degenerando - por analogia - em condutas intolerantes em
relação a tudo que signifique judaísmo.
Quando essa "ideologia" conseguiu o apoio logístico de outros países
(Suécia vendendo carvão, Suíça protegendo os capitais roubados, Argentina
vendendo carne e trigo, Itália e Japão aliando-se, Espanha e Portugal
apoiando abertamente, e muitos, mas muitos países olhando para o outro
lado, é que se transformou no que se transformou. Como bem dizem os
psicólogos, o difícil é matar a primeira vez. Depois, sai da frente!...
Não é minha intenção usar este espaço para tentar definir o que seja o
nazismo, pois o que realmente desejo é tratar de explicar e ao mesmo tempo
procurar entender a razão pela qual ultimamente estamos ouvindo com
insistência insuportável a comparação de sionismo com nazismo, ou de
judaísmo com nazismo, ou de Sharon com Hitler, ou do exército de Israel
com a Gestapo.
Mal transcorreram 3 meses desde que lemos numa revista de circulação
nacional um artiguete de um "jornalista" libanês residente no Brasil, no
qual declarava que os judeus foram os maiores aliados dos nazistas, e,
acreditem, até hoje nada lhe aconteceu do ponto de vista legal por ter
difamado de forma tão caluniosa ao povo judeu e conspurcado a memória dos
seis milhões de mártires do Holocausto.
A verdade é que quase todos nós judeus - muito ou pouco sionistas, muito
ou pouco esquerdistas, muito ou nada religiosos - conhecemos ou
adivinhamos o estilo e o hábito da extrema direita, seja ela a austríaca
ou a peruana, a judaica ou a cristã, de sempre ver um inimigo no
contrincante, um canalha no oponente, um traidor em quem não equaciona a
realidade como eles o fazem, porque faz parte do seu decálogo a
demonização de todos e de tudo que se oponha à sua visão do mundo.
Isto posto, e considerando seriamente as declarações de certos líderes
fundamentalistas judeus, as quais contam com o apoio por ação ou omissão
de alguns membros do atual governo de Israel e de certas instituições
comunitárias na diáspora, criminalizando a todo o povo palestino pelos
atos de uma parcela minoritária de fanáticos inescrupulosos, e ao povo
árabe em geral pelo apoio ou omissão de muitos dos seus líderes aos atos
praticados por esses criminosos, não nos resta senão constatar que nos
enfrentamos à acusação de que o governo de Israel e seus prepostos
estariam usando métodos similares aos implementados pelos nazistas, e o
que é pior, e o que desespera, é a constatação de que muitas vezes ficamos
sem uma resposta adequadamente contundente a tão terrível acusação.
Os meios de comunicação de todo o mundo - usando uma parcialidade peculiar
e lastimável - mostram obsessivamente cenas de soldados de Israel marcando
palestinos no braço, ou chutando a porta e entrando atirando em casas onde
depois se constata que estavam dentro apenas mulheres e crianças. E isso,
queiramos ou não, gera opinião pública antagônica, em primeiro lugar
porque se trata de fatos reais e não de simples montagens, mas
principalmente porque não podemos exigir de uma população totalmente
desconhecedora dos antecedentes do conflito, da complexidade do cenário e
das nuances e ideologias envolvidas, que não fique à mercê da mensagem que
diariamente recebe dos meios de comunicação. E se ainda somarmos a tudo
isso o componente da herança genética do anti-semitismo milenar, temos
então o quadro completo.
Nenhuma emissora de TV deixa de gravar quando os soldados de Israel
impedem a circulação das ambulâncias palestinas, nem suspende a transmisão
dos bombardeios de cidades onde - a priori - a maioria da população é
formada por civis alheios ao desenrolar dos ataques e contra-ataques. Mas
infelizmente, os atentados suicidas provocados pela outra parte não
ocorrem frente às câmeras da CNN ou congêneres, e essa visão unilateral
repetida em todas as notícias de todos os canais e publicadas em todas as
manchetes de todos os jornais, ajuda a sedimentar na consciência dos
cidadãos telespectadores-leitores a antipatia contra nós.
Enfim, o problema existe, e olhar para o outro lado só fará com que ele
aumente.
O primeiro passo que o bom senso nos obriga a dar como judeus humanistas é
condenar com veemência e em manchetes de primeira página toda e qualquer
pessoa representativa e/ou grupos políticos ou religiosos de Israel ou da
diáspora que adotem posições públicas francamente desprezíveis, como por
exemplo a canalhice de que foram capazes alguns "judeus" (entre eles não
poucos "rabinos") de aplaudir quando Igal Amir assassinou a Itzhak Rabin
(assisti a um programa na BBC de Londres com gente dos assentamentos
dizendo enquanto dançavam de alegria, que havia sido Mitzvá, e que o
rabino deles determinara que era a vontade de d''s de punir aos
traidores).
Igualmente terrível foi o silêncio quando um assassino chamado Baruch
Goldstein fuzilou a 29 pessoas dentro de uma mesquita em Hebron, não
porque fossem assassinas ou terroristas em ação, mas porque o seu rabino,
e por conseguinte a sua comunidade nos territórios ocupados, vivem de
alimentar o ódio a tudo que não seja intolerância fundamentalista, ao
ponto de que hoje há no assentamento um monumento em honra desse canalha,
para onde peregrinam não poucos seguidores dessa linha de ódio e
intolerância.
Da mesma forma, é sintomática a omissão quando se permite sem chiar nem
piar a criação de guetos onde se reclúi à população dona da terra enquanto
que estrangeiros (israelenses) ocupam o que não lhes pertence (Judéia e
Samária, Gaza, Golan, etc.).
Todos esses atos espúrios ficaram sem uma resposta adequada de nossa
parte. Nenhuma Instituição Comunitária publicou manifestos contra a
atitude geradora de anti-semitismo dessas instâncias, e esse silêncio,
queiramos ou não, é entendido pela disforme e manipulável opinião pública
como uma aceitação. É o tal do bumerangue no seu caminho de retorno.
Ante tal estado de coisas, temos a inadiável obrigação ética de declarar
de viva voz que o fato de que tenhamos sido vítimas da ignomínia não nos
credencia para praticá-la.
Esse o peso e essa a medida que devemos usar para exigir uma conduta
humanista ao governo de Israel (e se o tema deste artigo fosse a
Palestina, usaria as mesmas palavras para julgar a conduta da Autoridade
Nacional Palestina).
Também essas consignas podem servir de base para que as instituições
comunitárias no Brasil lembrem sempre que elas em primeiro lugar
representam aos judeus brasileiros e não ao governo de Israel, e que o
principal interesse delas é a proteção da integridade física e moral dos
membros das comunidades que dirigem.
Devemos denunciar ante o governo de Israel e ante todos os estamentos
políticos, jurídicos e sociais - pedindo a sua imediata suspensão - o
arraigado e ilegal mau hábito de aplicar a punição coletiva, ou seja, o
castigo de grandes contingentes de inocentes, no caso, palestinos.
Exemplos não faltam. Um terrorista palestino põe uma bomba. Horas depois o
exército de Israel explode a sua casa - que na verdade não é sua, pois é
dos pais e nela moram outros 10 irmãos que não colocaram nenhuma bomba -
mas não ocorre o mesmo com por exemplo a casa do assassino de Rabin, ou a
dos pais do Baruch Goldstein, ou a de tantos soldados israelenses julgados
ultimamente por vender armas e munições ao inimigo (na maioria dos casos
tais atos são produto da miséria que aflige a uma parcela considerável da
sociedade israelense, vítima de uma ordem de prioridades políticas que
exaure as reservas do país em benefício dos assentamentos ilegais fora das
fronteiras do Estado de Israel).
Como dizem os católicos, essa política faz que paguem justos por
pecadores. E isso, convenhamos, transmitido em todos os canais, em todos
os idiomas, gera anti-semitismo. Gostemos ou não.
Claro está que opor-se a essa conduta ilegal e inconstitucional não
implica em inocentar ao terrorista que coloca uma bomba, nem muito menos a
quem o preparou para fazê-lo, nem tampouco aos cúmplices por ação ou
omissão de tamanha vilania, mas significa que não podemos aceitar a
punição de coletivos cujo único pecado é rezarem a um d's diferente do
nosso.
É questão sine qua non a prevalência - por cima de interesses mesquinhos,
sejam políticos, religiosos ou militares - da doutrina e dos princípios
sobre os quais repousam os alicerces do Estado de Israel, e num desses
pilares está escrito com o sangue dos heróis que morreram para garantir a
construção de Israel, que um Estado de Direito em nenhum caso ou
circunstância pode atuar como se fosse um grupo terrorista, pois assim
agindo desmoraliza-se perante os seus cidadãos e deslegitima-se ante a
comunidade internacional.
O tema realmente se presta para produzir páginas e mais páginas de
discursos, longas e detalhadas análises históricas, belas e sugestivas
propostas programáticas, mas não vejo que seja o momento mais recomendável
para tais exercícios semânticos. Basta com o dito até aqui para confirmar
que a "acusação" de nazista que muitos anti-semitas e não poucos inocentes
úteis fazem contra o governo atual de Israel - e por extensão imprópria
contra todos nós - é profunda e absolutamente injusta e mentirosa quanto
ao conteúdo, mas infelizmente, dolorosa e dificilmente contestável quanto
ao continente.
Por isso cabe a nós o ônus e a responsabilidade da explicação. E para isso
exige-se serenidade e clareza na hora de explicar a quem quiser ouvir que
os judeus podemos ser muitas coisas. Podemos ser ricos ou muito ricos,
pobres ou muito pobres. Podemos ser juizes ou ladrões. Podemos ser
profetas ou proxenetas, justos ou pecadores, mas o que jamais poderemos
ser é nazistas, porque isso contradiz em essência a nossa pura e básica
razão de existir.
Temos - portanto - a obrigação de separar o jóio do trigo. Do nosso lado e
do deles. E eu o faço usando a arma da palavra, que é a única que sou
capaz de esgrimir, e escolho este púlpito para declarar a minha verdade
perante um enorme grupo de leitores mais ou menos anônimos, e agindo assim
trato de honrar a memória dos muitos que, transformados em fumaça, subiram
pelas chaminés de Auschwitz ou de Treblinka enquanto o mundo "civilizado"
dançava nos cabarés de moda ao som dos acordes de Lili Marlene.
Que cada um escolha as suas armas, mas que sejam instrumentos para
construir pontes e não mais lenha para alimentar a fogueira.
"O ser humano é o único animal que se falsifica. Um tigre há de ser tigre
eternamente. Um leão há de preservar até morrer o seu nobilíssimo rugido.
E assim o sapo nasce sapo e como tal envelhece e fenece. Ninguém viu um
marreco que virasse outra coisa. Mas o ser humano pode, sim,
desumanizar-se". (Nelson Rodrigues)
(28 de agosto/2003)
CooJornal
no 329