Bruno Kampel
CÍRCULO VICIOSO
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Amigos,
Mando um par de mensagens que escrevi e publiquei, que refletem o que
penso sobre a barbárie do Oriente Médio. Espero ter sido suficientemente
claro nelas para que todos entendam que uma criança judia não vale nem
mais nem menos que uma criança palestina. Que um ato de lesa humanidade
como o de explodir um ônibus cheio de inocentes não difere em brutalidade
e insensatez do ato de bombardear população civil inocente com o pretexto
de matar a um líder terrorista. Principalmente, que não haverá paz até que
Israel abandone os territórios ocupados (a causa-mater de tanta morte de
inocentes).
Já leremos hoje nos jornais o quanto o atual governo de Israel se parece
aos que combate. Suspenderão as negociações (que é o que os
fundamentalistas de ambos bandos querem). Suspenderão a retirada parcial
prometida (que é o que os fundamentalistas de ambos bandos querem). A
represália será brutal (como os fundamentalistas de ambos bandos querem).
A paz ficará um pouco mais longe, porque o governo de Israel uma vez mais
deixará que os fanáticos de ambos bandos tenham a última palavra.
Conjugando o ódio
Eu mato / tu morres / ele também / nós festejamos / vós sofreis /
eles se vingam.
E então, para não ser menos...
Eu morro / tu matas / ele também / nós sofremos / vós festejais / eles se
vingam.
E assim até a última bala. / Ou até a última vida.
Hora: 14:00 GMT
Um jovem palestino de 23 anos, atuando em nome dos sagrados direitos de
seu povo e da misericórdia ilimitada que transpira de cada versículo do
Corão, aperta o botão e se faz explodir dentro de um ônibus. Morrem - além
dele - 12 inocentes, acusados e condenados sem direito de defesa pelo
crime de serem judeus.
Enquanto os especialistas procuram e recolhem entre as ferragens
retorcidas do que fora um ônibus os pedacinhos das quase crianças que
nunca serão adultas, e dos adultos que não chegarão à velhice, e dos
velhos que não morrerão na cama, não poucos paladinos da liberdade e dos
direitos humanos olham para outro lado.
Hora: 20:00 GMT
Um jovem israelense de 23 anos, atuando em nome dos sagrados direitos de
seu povo e da misericórdia que transpira de cada salmo da Torá, aperta o
gatilho do disparador de foguetes do seu F-16. Morrem tanto o objetivo do
disparo como seus 4 filhos, que nunca serão adultos, e alguns vizinhos do
prédio, que não chegarão a velhos, e os que estavam na casa do lado, que
sim morreram na cama, vítimas do efeito letal do vírus transmissor dessa
terrível doença chamada danos colaterais.
Enquanto os enfermeiros da Meia Lua Crescente recolhem entre os destroços
a carne moída de tantos inocentes, não poucos paladinos da liberdade e dos
direitos humanos olham para outro lado.
Hora: Agora
Esses são dois dos piores e mais destrutivos exemplos do que as meias
verdades são capazes de produzir, porque elas não passam de ser grandes e
desalmadas mentiras.
Enquanto os atores do drama continuarem a olhar apenas o meio copo cheio
com que os inimigos saciam a sede de sangue, esquecendo do outro meio copo
no qual mata a sede a sua própia intolerância, o círculo vicioso do matar
para vingar continuará, e os coveiros seguirão
trabalhando horas extras.
FRENTE À AMEAÇA TERRORISTA
Redes terroristas não se combatem apenas com bombas, porque dessa forma ao
contrário de desaparecer elas crescem e se multiplicam.
Basta com abrir um livro de História para comprovar que todos os
movimentos terroristas que tinham uma raiz nacional ou religiosa o IRA
irlandês é o melhor exemplo) nasceram por geração espontânea e
multiplicaram-se na razão direta da adversidade do terreno que pisavam. E
convenhamos que se fosse possível bombardear com sucesso o terrorismo, ele
não mais existiria, porque bombas não faltam, nem muito menos a vontade de
usá-las.
Quanto ao germe do terrorismo islâmico - que é o que mais nos aflige - ele
tem diversas origens, e não apenas o mal uso do Corão que fazem alguns
manipuladores de consciências.
Refiro-me aos reis, sheiks, emires, príncipes, sultões, e suas respectivas
cortes nababescas, que privatizaram as riquezas do subsolo dos seus reinos
ou paises, dos seus emirados, sultanatos ou principados, e a renda
provinda da venda dessas riquezas minerais não renováveis (centenas de
bilhões de dólares nos últimos anos) foi e continua indo parar muito além
das fronteiras dos países geradores, e a anos-luz de distância do
desejável usufruto dessa riqueza l cidadãos, estando depositada
principalmente nos bancos americanos (80%) e na Europa (20%).
Esses governantes, sejam eles inescrupulosos sheiks ou emires, príncipes,
reis ou sultões, são os grandes inimigos do Islam em particular e do
gênero humano em geral, e os principais geradores e financiadores do
terrorismo maldito que mantém atemorizado a quase todo o mundo.
Se esses capitais desviados para as arcas dos líderes corruptos tivessem
sido investidos nos países de origem, o mundo seria certamente muito mais
justo e ameno. Mas não, já que as potências ocidentais, usando métodos
conhecidos e provados ao longo do século XX, forçavam e forçam a esses
governantes a gastarem a maior parte dos orçamentos nacionais em armas por
eles fabricadas, e o pouco ou muito que resta é também investido lá ou nos
paraísos fiscais, em bens registrados no nome dos sátrapas de turno ou de
seus prepostos.
É decisivo então, para iniciar o extermínio da lacra do terror, usar não
apenas manu militari, porque ela, quando aplicada sem o necessário
complemento político, adiciona sal à ferida, mas atacar a fonte do mal, o
foco do contágio, as origens dessa doença que mina a saúde de tantos
povos, de tantos países e reinos, de não menos emiratos, principados e
sultanatos, e cujos reflexos se fazem sentir nos ônibus cheios de
inocentes que suicidas palestinos fazem explodir em Israel, ou nas torres
gêmeas que desmoronam em Manhattan com milhares de inocentes nas suas
entranhas, ou na sinagoga que arde em Paris.
Por outra parte, proibido esquecer o fato de que se as reivindicações dos
grupos terroristas atuantes em qualquer época ou região forem analisadas
com a frialdade necessária, constatar-se-á que no fundo, bem lá no fundo
da violência assassina que usam, subjaz um motivo real e compreensível que
faz com que alguns daqueles que caíram em cativeiro nas mãos desses grupos
- em qualquer época ou região - tenham sofrido o que hoje se denomina "a
Síndrome de Estocolmo", que nada mais é do que a compreensão por parte do
seqüestrado de que senão todas, pelo menos as mais importantes
reivindicações desses grupos terroristas são basicamente justas, e o que
produz a rejeição absoluta é o modus operandi deles, ou seja, o
inadmissível e intolerável uso da violência indiscriminada contra a
população civil.
Reconhecer que o fundo da questão é discutível e negociável é o primeiro
passo em direção de uma solução, e não uma carte blanche para o uso
da violência, seja a praticada por grupos terroristas, seja a oriunda de
decisões de governos estáveis e supostamente democráticos, mas muito pelo
contrário, um convite à deposição das armas, servindo tal gesto como
detonante de um processo que, se levado a sério por todos os envolvidos,
fatalmente conduzirá a uma compreensão recíproca das necessidades de cada
uma das partes, ponto de partida de um caminho que culmine num grande
acordo no qual os poderosos renunciem a uma fatia do grande bolo, e os
menos favorecidos saibam usar essa fatia em benefício de todos.
Theodor Herzl, Ben Gurion, Golda Meir, Jabotinsky, sonharam com um Estado
para os judeus. Depois, arregaçaram as mangas e o transformaram em
realidade.
O fim do terror e das causas que o geram é hoje também o sonho de muitos.
Pois então, mãos à obra!
ARIEL SHARON E OS QUARENTA LADRÕES
Um dos problemas mais difíceis de superar para situar o conflito
Israel/Palestina no seu contexto, é a facilidade e assiduidade com que se
abusa do erro de misturar o Estado de Israel com o governo de Israel. Uns
o fazem por desconhecimento, e outros - a direita judaica em particular e
os anti-semitas em geral, ainda que por razões antagônicas - para
confundir à opinião pública.
O Estado de Israel, graças a d''s, e ainda que isto a muitos lhes pese, é
plural e democrático, com enormes massas de cidadãos que se opõem ao
governo, e, por exemplo, aos assassinatos seletivos (hoje melhor seria
chamá-los de assassinatos coletivos), à ocupação dos territórios, à
demolição das casas dos parentes dos terroristas, etc.
Em Israel acontecem passeatas contra a ocupação e manifestações
multitudinárias contra o governo, organizadas pelo lado
humanista-progressista da sociedade (os herdeiros de Ben Gurion, Golda
Meir, Rabin ) e pelo outro lado do espectro político-social, estão os que
apoiam o governo. Uns por convicção ideológica (a extrema-direita, que se
inspira nos grupos terroristas judeus anteriores à criação do Estado, como
Etzel e Stern, e os fundamentalistas religiosos de todas as cores), outros
por oportunismo (os assentados nos territórios, que recebem casa de graça
enquanto os pobres de Israel se favelizam, e que vivem às custas do
dinheiro que a população trabalhadora paga como impostos, etc.), e a
grande maioria silenciosa, essa que está verdadeiramente assustada e
apavorada pelo grau de violência a que se chegou, que é elevadíssimo, e
cujo eco é amplificado artificial e propositalmente pelos órgãos de
informação manipulados por aqueles que sonham com a Grande e impossível
Israel, pois a direita radical precisa do medo do povo para continuar
ocupando a casa dos outros, ou matando indiscriminadamente, (igualzinho
que os terroristas do outro lado), etc.
A realidade de Israel - portanto - não pode ser analisada a partir de
frases amáveis ou discursos grandiloqüentes deste ou daquele judeu
proeminente ou palestino de igual hierarquia, porque assim incorre-se no
erro infantil de tentar cobrir o sol com a peneira, já que a verdadeira
geradora de toda a violência atual é a ocupação ilegal dos territórios.
O que começou como produto de uma guerra, e que depois Moshé Dayan
explicava com o argumento de que todos os territórios serviriam de moeda
de troca para a assinatura de um tratado de paz, passou paulatinamente a
transformar-se numa bomba de tempo que hoje explode matando inocentes e,
pior ainda, ferindo de morte a imagem de Medinat Israel.
Ariel Sharon e outros, quando detentores do poder (Beguin foi o grande
promotor da ocupação), exauriram as reservas econômicas do Estado na
construção de assentamentos ilegais, e que alguns deles, com o correr do
tempo, transformaram-se em pequenas cidades, e o preço o está pagando hoje
a população de Israel: 20% dos judeus passam fome. Milhares moram nas ruas
(um "assentamento" dos judeus sem teto cresce dia-a-dia no exclusivo e
elitista kikar hamediná, onde se encontra o Consulado do Brasil), e, como
tiro de misericórdia, vale mencionar que um Batalhão do exército (Gdud 50,
se não me falha a memória), um dos mais cheios de condecorações (dele
participaram Dan Shomron, Raful, e outros desse calibre) escreveu uma
carta aberta aos jornais dizendo que não podem defender o Estado quando as
suas famílias estão morrendo de fome.
Depois, como segundo passo em direção ao precipício, fazia-se necessário
que o exército lá estivesse presente para proteger aos assentados, pois a
realidade era e é que estavam e continuam usando a terra dos outros, já
seja a ocupada manu militari, ou a roubada ou comprada a ponta de pistola.
E assim criou-se o círculo vicioso no qual giramos até os dias de hoje.
E na medida em que os anos passavam a corda foi-se apertando no pescoço de
Israel até o nefasto dia em que Sharon - um verdadeiro elefante numa loja
de cristais - derrubou o castelo de cartas que tanto custara levantar a
Rabin.
Sim, num "golpe de mestre", numa visita planejada para fechar as portas a
qualquer acordo, apareceu com mais de mil seguranças na esplanada das
mesquitas. Depois disso, começou o inferno no qual ardem hoje os
princípios e os valores em cujo nome fundou-se o Estado de Israel.
Hoje podemos dizer sem medo de errar que, se bem não foi o único motivo, a
visita dele à esplanada das mesquitas foi o atestado definitivo que
provava que Sharon não é (como nunca o foi) um homem de paz, mas muito
pelo contrário.
E o que dizer das promessas que o transformaram em primeiro-ministro?...
Chegou oferecendo segurança e paz, e encheu, enche e continuará a encher
os cemitérios judeus de mortos inocentes, da mesma forma que Arafat, já
seja pela sua incapacidade de controlar aos grupos terroristas (jamais a
teve, e todos sabíamos disso), já seja por ação ou omissão, é o
responsável pela morte de tantos palestinos inocentes (cinco vezes mais do
que os israelenses).
Enfim, o assunto não é simples nem pode nem deve ser reduzido a uma
descafeinada troca de opiniões, e principalmente, deverá ficar claro para
todos nós que quem defende a alternativa de paz pode fazê-lo desde
qualquer ponto do mundo, mas quem faz apologia da guerra sem quartel nem
limites éticos contra os terroristas em particular, contra o povo
palestino e o povo árabe em geral, que vá lá e se aliste nas milícias
armadas dos fundamentalistas judeus nos territórios. Garanto que o/a
aceitam na hora. O que não pode ser é que alguém proponha carnificinas,
bombardeios de populações inocentes, assassinatos seletivos e coletivos, e
depois vá patinar no Barrashopping.
(21 de agosto/2003)
CooJornal
no 328