09/08/2003
Número - 327


 
Bruno Kampel



INTERNET: SER SEM ESTAR
 

Quando criamos vínculos eletrônicos de caráter particular com desconhecidos distantes, nada mais fazemos do que um simples exercício de retórica, pois na verdade não somos mais do que uma hipótese, o prólogo de nós mesmos, o preâmbulo da realidade.

Nascemos, crescemos e vivemos o um sem o outro, e - gostemos ou não - assim é e será. Por isso, ainda que permitamos à Esperança viajar livremente pelos canais eletrônicos, nas relações virtuais sempre devemos ser prudentes, pragmáticos e exigentes.

Na rede devemos exigir a grama aparada, as formigas catalogadas, as árvores centenárias, o direito de poder desfolhar as pétalas da Internet uma por uma, gota a gota, sem o risco de sermos ludibriados pelo primeiro impostor fantasiado de Apolo ou Vênus que nos diga alô desde o outro lado da telinha.

Usando o teclado como agulha e as palavras como linha, devemos tecer uma estrada cibernética sem esquinas nem atalhos, que nos conduza a um porto marítimo cujo céu esteja coalhado de gritos de alegria e velejado por gaivotas idílicas, e no qual possamos amarrar o nosso endereço eletrônico sem receio, e aceitar sem temor o convite da nossa imaginação para tomar um aperitivo feito de vinho cheio de perguntas e de distância vazia de respostas.

Está determinado no manuscrito internáutico que somos os atores principais e os únicos espectadores da tragicomédia do faz-de-conta sem fronteiras em que se transformou o espaço cibernético. Cada um no seu leito, e cada leito em seu mundo, e no meio, a certeza de que num dos leitos habitará uma presença elétrica e desamparada, e no outro um perfume eclético e solitário, e em ambos, uma perplexidade tetraplégica agonizando de tanto esperar, cansada de saber que nunca será realidade.

Impossível é o apelido, o nome e o sobrenome do jogo virtual, que se vale da impunidade como bengala para sustentar-nos eretos dentro dessa rede de crochê na qual os vazios importam mais que os seus limites.

Nossos papéis na trama estão mais do que bem delineados. Somos fotógrafos de ilusões descartáveis, fabricantes de esperanças infundadas, prestidigitadores de emoções, ventríloquos de frases feitas, vendedores de sonhos, mercadores de falsas realidades.

Sim, Realidade: essa a matéria prima que no território virtual prima pela ausência. E sem ela os sexos não se tocam, nem os olhos se escancaram, nem a pele responde à carícia, nem a boca treme enquanto espera o beijo.

Esse é o território que partilhamos nesse micromundo de impulsos elétricos, e é fundamental que conheçamos o âmbito da fantasia nele gerada, e as suas fronteiras invioláveis, pois apenas dentro delas poderemos cristalizar a imagem do outro, seus gestos e sabores, suas juras e promessas.
Nada mais devemos esperar nem propor. Nada nada mais. Que não é pouco, nem é tudo. É apenas,
o mundo do talvez, na galáxia do quase, no universo do mais ou menos.

Abandonar esse princípio é um convite para o escorregão fatal na casca de banana que a virtualidade sorrateiramente joga aos nossos pés.

Porém, se ainda que conhecendo os perigos, mesmo assim formos enfrente, aceitando o risco como quem joga na Bolsa, devemos saber que as dores do tombo virtual serão todas muito, muito reais, e que na falta de um botão mental para deletá-las, apenas o Tempo, num caminhar vagarosamente exasperante, poderá eliminá-las do Banco de Dados do nosso registro sensitivo.

Essas as regras do jogo e suas alternativas. Que cada um escolha o seu caminho e assuma as conseqüências da sua opção.


(09 de agosto/2003)
CooJornal no 327


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se 
http://kampel.com/poetika/brunokampel.htm 
Blog de Bruno Kampel: http://brunokampel.blogger.com.br