Bruno Kampel
INTERNET: SER SEM ESTAR
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Quando criamos vínculos eletrônicos de caráter particular com
desconhecidos distantes, nada mais fazemos do que um simples exercício de
retórica, pois na verdade não somos mais do que uma hipótese, o prólogo de
nós mesmos, o preâmbulo da realidade.
Nascemos, crescemos e vivemos o um sem o outro, e - gostemos ou não -
assim é e será. Por isso, ainda que permitamos à Esperança viajar
livremente pelos canais eletrônicos, nas relações virtuais sempre devemos
ser prudentes, pragmáticos e exigentes.
Na rede devemos exigir a grama aparada, as formigas catalogadas, as
árvores centenárias, o direito de poder desfolhar as pétalas da Internet
uma por uma, gota a gota, sem o risco de sermos ludibriados pelo primeiro
impostor fantasiado de Apolo ou Vênus que nos diga alô desde o outro lado
da telinha.
Usando o teclado como agulha e as palavras como linha, devemos tecer uma
estrada cibernética sem esquinas nem atalhos, que nos conduza a um porto
marítimo cujo céu esteja coalhado de gritos de alegria e velejado por
gaivotas idílicas, e no qual possamos amarrar o nosso endereço eletrônico
sem receio, e aceitar sem temor o convite da nossa imaginação para tomar
um aperitivo feito de vinho cheio de perguntas e de distância vazia de
respostas.
Está determinado no manuscrito internáutico que somos os atores principais
e os únicos espectadores da tragicomédia do faz-de-conta sem fronteiras em
que se transformou o espaço cibernético. Cada um no seu leito, e cada
leito em seu mundo, e no meio, a certeza de que num dos leitos habitará
uma presença elétrica e desamparada, e no outro um perfume eclético e
solitário, e em ambos, uma perplexidade tetraplégica agonizando de tanto
esperar, cansada de saber que nunca será realidade.
Impossível é o apelido, o nome e o sobrenome do jogo virtual, que se vale
da impunidade como bengala para sustentar-nos eretos dentro dessa rede de
crochê na qual os vazios importam mais que os seus limites.
Nossos papéis na trama estão mais do que bem delineados. Somos fotógrafos
de ilusões descartáveis, fabricantes de esperanças infundadas,
prestidigitadores de emoções, ventríloquos de frases feitas, vendedores de
sonhos, mercadores de falsas realidades.
Sim, Realidade: essa a matéria prima que no território virtual prima pela
ausência. E sem ela os sexos não se tocam, nem os olhos se escancaram, nem
a pele responde à carícia, nem a boca treme enquanto espera o beijo.
Esse é o território que partilhamos nesse micromundo de impulsos
elétricos, e é fundamental que conheçamos o âmbito da fantasia nele
gerada, e as suas fronteiras invioláveis, pois apenas dentro delas
poderemos cristalizar a imagem do outro, seus gestos e sabores, suas juras
e promessas.
Nada mais devemos esperar nem propor. Nada nada mais. Que não é pouco, nem
é tudo. É apenas,
o mundo do talvez, na galáxia do quase, no universo do mais ou menos.
Abandonar esse princípio é um convite para o escorregão fatal na casca de
banana que a virtualidade sorrateiramente joga aos nossos pés.
Porém, se ainda que conhecendo os perigos, mesmo assim formos enfrente,
aceitando o risco como quem joga na Bolsa, devemos saber que as dores do
tombo virtual serão todas muito, muito reais, e que na falta de um botão
mental para deletá-las, apenas o Tempo, num caminhar vagarosamente
exasperante, poderá eliminá-las do Banco de Dados do nosso registro
sensitivo.
Essas as regras do jogo e suas alternativas. Que cada um escolha o seu
caminho e assuma as conseqüências da sua opção.
(09 de agosto/2003)
CooJornal
no 327