Bruno Kampel
LUTANDO CONTRA MOINHOS DE VENTO |
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Férias concluídas. Retorno portanto ao mundo dos mortos e feridos, dos
danos colaterais, das mentiras oficiais, das falências e concordatas
fraudulentas, dos suicídios providenciais, das contas a pagar e a receber,
das promessas por cumprir, e apresento um texto que já tem barba e bigode,
mas aproveitei o vôo desde São Petersburgo a Estocolmo para reformar por
aqui, recauchutar acolá, reformular por ali, e quem o lê agora nem
acredita que ele já foi um descartável e-mail que um dia de algum mês de
algum ano não muito longínquo no tempo, mandei a alguém quando esse alguém
aprestava-se a remeter para alguma revista de distribuição nacional um
tratado filosófico e filológico sobre o anti-semitismo, contestando a
burda e canalhesca argumentação de um tal Bourdoukan, quem afirmava com a
maior cara-de-pau que os judeus foram os grandes aliados de Hitler.
Da carta original fica pouco ou nada, mas o essencial aí está: ou
"vendemos" o combate ao anti-semitismo como se fosse um belo carro esporte
ou uma maravilhosa semana em Mikonos, Ibiza ou Angra dos Reis, ou caso
contrário, Inês é morta.
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LUTANDO CONTRA MOINHOS DE VENTO
(Ao ataque que são gigantes, Sancho Pança!... Não, dom Quixote, não são
gigantes. São moinhos de vento!)
Infelizmente, o combate ao anti-semitismo nos meios de comunicação fica
geralmente nas mãos e na linguagem de professores universitários,
catedráticos, bispos, rabinos, políticos, filósofos e similares.
Seus argumentos - quase sempre profundos e muito bem documentados - não
ficam a dever nada a qualquer tese a ser defendida perante uma junta de
Sábios, e com isso - paradoxalmente - se transformam em difíceis e chatos
de serem lidos pela maioria esmagadora dos compradores de jornais e
revistas, os quais, como é fácil de adivinhar, são majoritariamente pouco
instruídos no assunto, como a maioria dos alunos da maioria das
faculdades, e como a maioria dos que preenchem cargos públicos dos
primeiros escalões, e como a maioria dos jornalistas, e como a maioria da
maioria.
Se o combate ao anti-semitismo continuar nas mãos e nos discursos de
candidatos ao Nobel de Filosofia ou de História ou de Religião, apenas um
pequeno grupo de privilegiados entenderá, ou se interessará, pelo conteúdo
da matéria publicada, pois a soma de citações bibliográficas e referências
históricas transpira sempre demasiada pomposidade erudita, e bom seria se
o tema pudesse ser apresentado já decodificado e traduzido à linguagem que
a generalidade do povo entende, aceita e digere com facilidade.
Muito poucas pessoas estão realmente interessados nas raízes históricas do
fenômeno do anti-semitismo, mas muitas sim o estão nos efeitos que ele
produz sobre um papel em branco como é a cabeça da maioria dos leitores no
que diz respeito a esse tema específico.
O anti-semitismo existe e perdura não pela seriedade do seu ideário, mas
pela facilidade com que falsas acusações adquirem perfil de realidades
sagradas.
Pessoas que acreditam piamente em viagens ao passado e ao futuro; em
invasões de seres de outro planeta; que esperam ansiosos a hora da novela
das oito; que acendem uma vela a deus e outra ao diabo, e, principalmente,
que carregam na sua bagagem genética um anti-semitismo patológico,
inculcado ao longo de vinte séculos de velha e caduca catequese cristã,
não estão interessadas na verdade dos fatos, mas desejam ouvir uma versão
da realidade que os isente da acusação de que eles são os verdugos, e que
garanta que eles são as pobres vítimas, e infelizmente, o judeu de nariz
comprida, chapéu e capota preta, tem servido às mil maravilhas para
preencher o papel de pai de todos os males havidos e por haver.
Esse tem sido um dos muitos, muitíssimos erros em que habitualmente
incorrem e nos quais reincidem os chamados formadores de opinião. Uma
elite intelectual dirigindo-se a uma massa semi-alfabetizada no que ao
ódio aos judeus se refere (e não há nesse semi-analfabetismo qualquer
demérito ou desdouro), discursando como se o ouvinte entendesse qualquer
coisa além da certeza de que há exploradores e explorados, manipuladores e
manipulados, ladrões que roubam muito e ficam impunes, e famintos que
roubam um pão e são severamente castigados.
Por tudo isso é que o assunto não pede profundidade na análise nem riqueza
no vocabulário, já que nenhum artigo contra o anti-semitismo ou contra os
anti-semitas em particular conseguirá desfazer por arte de magia os
efeitos já acumulados e assimilados desse anti-semitismo visceral, porque
qualquer manifestação anti-judaica não gera nenhuma reação que já não
esteja na cabeça de muitos dos leitores.
O que sim - e se soubermos despir o nosso discurso dos floreios que usamos
cada vez que dizemos a nossa verdade - temos chances de que ele seja
ouvido ou lido até o fim. Mas não nos enganemos: a predisposição
anti-semita ficará onde ela está, e cada vez que a TV mostrar que algumas
crianças palestinas morreram pelas balas dos soldados de Israel, o efeito
aflorará, e cada vez que um suicida palestino explodir 20 crianças judias
na porta de um colégio, o efeito contrário surgirá, quase que justificando
o evento como se de um ato de pura defesa se tratasse.
Esse é um filme que já assistimos demasiadas vezes, e deveríamos saber que
a palavra é um excelente veículo transmissor do ódio, mas que enfrenta
sérias dificuldades na hora de transmitir tolerância.
A mentira é uma excelente amazona que cavalga com facilidade sobre o
terreno da opinião pública, enquanto que a verdade cái do cavalo a cada
fato que a contesta ou desafia.
Portanto, detalhar exaustivamente dados históricos e mencionar referências
bibliográficas transforma qualquer artigo que tenha como objetivo combater
o anti-semitismo num hieróglifo similar a certas entrevistas que médicos
dão pela TV.
- Doutor: por que é que me dói a cabeça?....
- Minha filha. Como bem sabe, a conjunção de fatores sintomatológicos de
diversa e antagônica procedência fazem que muitos de nós optemos por ...
Ou seja. Depois de ouvir, a perguntona sai com mais dor de cabeça da que
tinha antes de fazê-lo. A menos - é claro - que o locutor meta o bedelho e
indague ao médico se ele poderia falar para seres humanos, a fim de que a
audiência possa entender.
Creio que artigos completos, com citações, bibliografia, erudição, riqueza
de definições, podem e devem ser escritos e enviados a destinatários
escolhidos a dedo. Professores universitários, Cúria Metropolitana,
Instituições de Direitos Humanos, Instituições judaicas, Associações
palestinas, Supremo Tribunal, e até vir a ser incluídos como prova num
processo penal contra o autor e o editor de qualquer
texto/artigo/opinião/livro anti-semita, podendo inclusive ser traduzido
para o inglês e outros idiomas e distribuído no exterior.
Mas no que à imprensa tupiniquim se refere, julgo que tem que ser usada a
linguagem que os editores sempre recomendam para que o leitor leia até o
fim: primeiro parágrafo contundente e insinuante, e o resto de fácil
digestão. Palavras inteligíveis, frases curtas e claras.
Essa é pelo menos a minha opinião, que como todas as minhas opiniões, é
filha natural da experiência e de pai desconhecido.
(02 de agosto/2003)
CooJornal
no 326