28/06/2003
Número - 321


 
Bruno Kampel



O DEDO NA CHAGA
 

 Os profetas da globalização desenfundam seus hipnotizantes discursos nutridos com pútridos aforismos que disfarçam sua verdadeira e cruel sintaxe dodecafônica, enquanto governos esdrúxulos alugam o seu silêncio cúmplice e fornecem as ferramentas que desparafusam os andaimes do tambaleante edifício social, ao passo que o eco da injustiça hereditária explode em metáforas antagônicas ao despertar da insensatez tecnológica, a qual, galopando pelos índices bursáteis, desenha no rosto dos que tudo podem um ríctus de desprezo ilimitado e maldade intransigente.

Noutra esquina do pântano social, a abundância, agarrada com unhas e dentes às leis irracionais que a favorecem, ri-se às gargalhadas dos pobres e humildes escravos, que anônimos como a desgraça alheia e encolhidos como o estômago vazio, suam de frio enquanto rezam seus desvalorizados pleonasmos de esperança.
Ante a macro-ignomínia que nos avassala; frente à globalização da insolidaridade que nos acua; diante da cumplicidade dos que tendo recebido o mandato de defender-nos fazem exatamente o contrário, não valem vómitos de repulsa nem gritos de raiva nem coartadas salvadoras ou consignas talhadas em pedras filosofais, mas afiados gestos eruditos reptando aos fatos desprezíveis que avançam pisando a bainha da nossa finita paciência.

A História entretanto, entrincheirada à beira do tempo que passa, escreve, nas entrelinhas dos fatos que nos atropelam, a receita que ensina a reciclar velhas ilusões para que novamente inundem de respostas o renascer do bom senso, conclamando-nos a trabalhar para que de uma vez por todas volte a estar na moda pensar e agir como os animais que fomos, e não como as máquinas que somos.
 


(28 de junho/2003)
CooJornal no 321


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se 
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Blog de Bruno Kampel: http://brunokampel.blogger.com.br