Bruno Kampel
O DEDO NA CHAGA
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Os profetas da globalização desenfundam seus hipnotizantes discursos
nutridos com pútridos aforismos que disfarçam sua verdadeira e cruel
sintaxe dodecafônica, enquanto governos esdrúxulos alugam o seu silêncio
cúmplice e fornecem as ferramentas que desparafusam os andaimes do
tambaleante edifício social, ao passo que o eco da injustiça hereditária
explode em metáforas antagônicas ao despertar da insensatez tecnológica, a
qual, galopando pelos índices bursáteis, desenha no rosto dos que tudo
podem um ríctus de desprezo ilimitado e maldade intransigente.
Noutra esquina do pântano social, a abundância, agarrada com unhas e
dentes às leis irracionais que a favorecem, ri-se às gargalhadas dos
pobres e humildes escravos, que anônimos como a desgraça alheia e
encolhidos como o estômago vazio, suam de frio enquanto rezam seus
desvalorizados pleonasmos de esperança.
Ante a macro-ignomínia que nos avassala; frente à globalização da
insolidaridade que nos acua; diante da cumplicidade dos que tendo recebido
o mandato de defender-nos fazem exatamente o contrário, não valem vómitos
de repulsa nem gritos de raiva nem coartadas salvadoras ou consignas
talhadas em pedras filosofais, mas afiados gestos eruditos reptando aos
fatos desprezíveis que avançam pisando a bainha da nossa finita paciência.
A História entretanto, entrincheirada à beira do tempo que passa, escreve,
nas entrelinhas dos fatos que nos atropelam, a receita que ensina a
reciclar velhas ilusões para que novamente inundem de respostas o renascer
do bom senso, conclamando-nos a trabalhar para que de uma vez por todas
volte a estar na moda pensar e agir como os animais que fomos, e não como
as máquinas que somos.
(28 de junho/2003)
CooJornal
no 321