Bruno Kampel
OU SOMAMOS, OU SUMIMOS
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A culpa é dos "outros". Sempre dos "outros". Nós fizemos tudo para
alcançar um acordo e eles nada. Nós propusemos a paz e eles a rejeitaram.
E assim sucessivamente. Versões de fatos. Visões particulares de eventos.
Parcialidades humanas. Opiniões geradas no território de sombras no qual o
enorme peso especifico da subjetividade desaba sobre a nossa capacidade de
julgar e impõe o tom e o conteúdo. E isto é válido tanto para israelenses
como para palestinos.
Em geral - salvo raríssimas ocasiões - antolhos como as religiões, os
dogmas, as ideologias - deformam a visão e a compreensão da realidade.
Estreitam o horizonte. Dificultam um olhar abrangente tanto sobre o
passado como sobre o presente, e como conseqüência impedem cartografar com
objetividade um projeto viável de futuro.
Esse é o nosso grande e insolúvel problema como atores e espectadores que
somos do drama que se encena no Oriente Médio, porque partimos de idéias
pré-concebidas sobre fatos que ainda não ocorreram. Dispomos de respostas
escritas há milhares de anos para qualquer fato acontecido ante-ontem ou
ainda por acontecer, transformando o exercício da analogia em varinha
mágica que tudo explica e justifica, mas que para nosso pesar, pouco ou
nada resolve.
Entendo que para criar as condições necessárias nas quais a paz deixe de
ser apenas um discurso, é imperativo não sucumbir à armadilha que o amor
pelo nosso povo e nossa história ( sejamos judeus ou palestinos) tende a
quase todos nós. Sim, como bem o tipifica a sabedoria popular, titica de
nossos filhos sempre cheira a rosas, enquanto que as rosas do jardim do
nosso inimigo sempre cheiram a titica.
Frente à doutrina fundamentalista islâmica - que tem como um dos seus
principais fundamentos a idéia de que a "guerra santa" contra os sionistas
é justa e atende aos desígnios divinos, e que os ataques indiscriminados
contra a população civil servem para aproximar o dia em que a paz reinará
na Palestina - deve-se defender publicamente e sem rodeios a teoria que
diz e prova que não há paz possível que se construa sobre cadáveres de
inocentes, e que o combate ao inimigo deve ser dirigido exclusivamente
contra as forças armadas ocupantes - como o justificam as leis
internacionais - e não contra população civil indefesa, e que a
resistência armada, ainda que válida num contexto bélico como o atual, não
é suficiente para reduzir - ou muito menos para eliminar - as causas que
servem de justificativa ao governo Sharon para bombardear seletiva e
coletivamente populações civis, porque quanto mais suicidas explodirem
dentro dos ônibus das cidades de Israel, levando consigo a vida de
inocentes que nada tem a ver com o conflito, o que se estará fazendo é
gerar mais e piores bombardeios seletivos e coletivos, mais e piores
assassinatos seletivos e coletivos. E é isso o que está acontecendo
Frente à doutrina Sharon, que tem como um dos seus principais fundamentos
a idéia de que Israel está reocupando e bombardeando e destroçando e
massacrando territórios e população com a finalidade de erradicar a
infra-estrutura terrorista, devemos defender publicamente e sem rodeios a
teoria que diz e prova que não há exército capaz de erradicar o
terrorismo, sem que as eventuais medidas "cirúrgicas" venham acompanhadas
de decisões políticas tendentes a eliminar - ou pelo menos a reduzir - as
causas que servem de justificativa aos que escolhem a saída desesperada do
terrorismo, porque quanto mais o exército mata "futuros terroristas ou
suicidas", quanto mais as bombas eliminam familiares dos terroristas e dos
suicidas, amigos dos terroristas e dos suicidas, vizinhos dos terroristas
e dos suicidas, e destroem as casas dos familiares dos terroristas ou
suicidas, o que se está fazendo é gerar muito mais terrorismo. E é isso o
que está acontecendo.
Conhecer e reconhecer esses princípios básicos, é a base de qualquer
projeto de paz sério e com probabilidade de ser implementado. O sacrifício
principal de ambas partes para poder negociar sem armadilhas é "esquecer"
as mazelas do passado, porque se elas forem usadas como argumento por uma
ou ambas partes, o círculo vicioso terá vencido mais uma vez, soterrando
sob as recíprocas culpas passadas a esperança de um futuro no qual ambos
povos possam olhar para o amanhã com esperança, e não para o ontem com
raiva e desejo de vingança.
(21 de junho/2003)
CooJornal
no 320
Bruno Kampel é analista político, poeta e
escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se
http://kampel.com/poetika/brunokampel.htm
Blog de Bruno Kampel: http://brunokampel.blogger.com.br
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