21/06/2003
Número - 320


 
Bruno Kampel



OU SOMAMOS, OU SUMIMOS
 

A culpa é dos "outros". Sempre dos "outros". Nós fizemos tudo para alcançar um acordo e eles nada. Nós propusemos a paz e eles a rejeitaram. E assim sucessivamente. Versões de fatos. Visões particulares de eventos. Parcialidades humanas. Opiniões geradas no território de sombras no qual o enorme peso especifico da subjetividade desaba sobre a nossa capacidade de julgar e impõe o tom e o conteúdo. E isto é válido tanto para israelenses como para palestinos.

Em geral - salvo raríssimas ocasiões - antolhos como as religiões, os dogmas, as ideologias - deformam a visão e a compreensão da realidade. Estreitam o horizonte. Dificultam um olhar abrangente tanto sobre o passado como sobre o presente, e como conseqüência impedem cartografar com objetividade um projeto viável de futuro.

Esse é o nosso grande e insolúvel problema como atores e espectadores que somos do drama que se encena no Oriente Médio, porque partimos de idéias pré-concebidas sobre fatos que ainda não ocorreram. Dispomos de respostas escritas há milhares de anos para qualquer fato acontecido ante-ontem ou ainda por acontecer, transformando o exercício da analogia em varinha mágica que tudo explica e justifica, mas que para nosso pesar, pouco ou nada resolve.

Entendo que para criar as condições necessárias nas quais a paz deixe de ser apenas um discurso, é imperativo não sucumbir à armadilha que o amor pelo nosso povo e nossa história ( sejamos judeus ou palestinos) tende a quase todos nós. Sim, como bem o tipifica a sabedoria popular, titica de nossos filhos sempre cheira a rosas, enquanto que as rosas do jardim do nosso inimigo sempre cheiram a titica.

Frente à doutrina fundamentalista islâmica - que tem como um dos seus principais fundamentos a idéia de que a "guerra santa" contra os sionistas é justa e atende aos desígnios divinos, e que os ataques indiscriminados contra a população civil servem para aproximar o dia em que a paz reinará na Palestina - deve-se defender publicamente e sem rodeios a teoria que diz e prova que não há paz possível que se construa sobre cadáveres de inocentes, e que o combate ao inimigo deve ser dirigido exclusivamente contra as forças armadas ocupantes - como o justificam as leis internacionais - e não contra população civil indefesa, e que a resistência armada, ainda que válida num contexto bélico como o atual, não é suficiente para reduzir - ou muito menos para eliminar - as causas que servem de justificativa ao governo Sharon para bombardear seletiva e coletivamente populações civis, porque quanto mais suicidas explodirem dentro dos ônibus das cidades de Israel, levando consigo a vida de inocentes que nada tem a ver com o conflito, o que se estará fazendo é gerar mais e piores bombardeios seletivos e coletivos, mais e piores assassinatos seletivos e coletivos. E é isso o que está acontecendo

Frente à doutrina Sharon, que tem como um dos seus principais fundamentos a idéia de que Israel está reocupando e bombardeando e destroçando e massacrando territórios e população com a finalidade de erradicar a infra-estrutura terrorista, devemos defender publicamente e sem rodeios a teoria que diz e prova que não há exército capaz de erradicar o terrorismo, sem que as eventuais medidas "cirúrgicas" venham acompanhadas de decisões políticas tendentes a eliminar - ou pelo menos a reduzir - as causas que servem de justificativa aos que escolhem a saída desesperada do terrorismo, porque quanto mais o exército mata "futuros terroristas ou suicidas", quanto mais as bombas eliminam familiares dos terroristas e dos suicidas, amigos dos terroristas e dos suicidas, vizinhos dos terroristas e dos suicidas, e destroem as casas dos familiares dos terroristas ou suicidas, o que se está fazendo é gerar muito mais terrorismo. E é isso o que está acontecendo.

Conhecer e reconhecer esses princípios básicos, é a base de qualquer projeto de paz sério e com probabilidade de ser implementado. O sacrifício principal de ambas partes para poder negociar sem armadilhas é "esquecer" as mazelas do passado, porque se elas forem usadas como argumento por uma ou ambas partes, o círculo vicioso terá vencido mais uma vez, soterrando sob as recíprocas culpas passadas a esperança de um futuro no qual ambos povos possam olhar para o amanhã com esperança, e não para o ontem com raiva e desejo de vingança.



(21 de junho/2003)
CooJornal no 320


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se 
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Blog de Bruno Kampel: http://brunokampel.blogger.com.br