Bruno Kampel
O BARULHO
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Enxotado do meu jardim pelo frio polar que lá se instalara apesar dos meus
veementes protestos, entrei em casa quase correndo.
Fechei a porta, bloqueando a entrada do inverno que me perseguia como se
fosse a minha própria sombra, ainda que logo descobri que um pouco dele
viera camuflado na neve que envolvia as minhas botas.
Comecei então o ritual de aliviar-me de tanta roupa. Tirei o gorro de
pele, descalcei as botas e as luvas, despi a capa para a neve, e logo a
japona, e a seguir o casaco e o pulôver, e logo a sobre-calça impermeável
contra a neve, e a calça de lã.
Já com o uniforme caseiro - ceroula de lã e camisa idem - dirigi meus
passos para a cozinha com a intenção de tomar um daqueles horríveis
cafezinhos suecos, quando um barulho estranho começou a soar no quarto que
uso como escritório e sala de leitura.
Assustado, corri até lá e deparei-me com a tal do ruído, que enchia todo o
aposento, e que mais do que outra coisa parecia um alarido criado por um
sintetizador. Era um barulho terrível, estridente, quase insuportável.
Tentei averiguar de longe do que se tratava, qual o defeito que o
produzia, e o que fazer para acabar com ele imediatamente.
De repente, enquanto estudava o panorama, uma luz começou a piscar
intermitentemente na tela do computador, como avisando que a qualquer
momento o aparelho iria explodir, ou coisa semelhante.
Apavorado, e sem saber o que fazer, corri até à mesa e apertei todos os
botões ao mesmo tempo, esperando um milagre internáutico, e eis que então
apareceu escrito na tela o motivo do tal barulho: um aviso que piscava
histericamente informava que tinha chegado um mail dela, e então
compreendi que o zumzumzum nada mais era do que o micro - meu alter ego -
gargalhando de felicidade, numa amplificada sonoridade cibernética.
Li a carta dela em voz alta várias vezes, e assim o micro acalmou-se, e
depois, flutuando de alegria por ter recebido a carta tão esperada e que
continha as palavras mágicas que tanto desejara ouvir, fui até a cozinha e
preparei o cafezinho sueco mais gostoso de todos os tempos, enquanto a
neve, que tudo ouvira encostada no lado de fora da janela do escritório,
derretia-se de pura inveja.
(21 de junho/2003)
CooJornal
no 320