Bruno Kampel
R.I.P
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Nota do autor:
Só agora, depois de ter recebido a confirmação oficial do falecimento de
uma querida amiga na Guerra do Iraque, e levando em consideração o fato de
que alguns leitores também a conheceram, divulgo - com retoques cosméticos
- este pequeno epitáfio que escrevi faz mais de uma ano por ocasião da
morte de outra pessoa, porque parece escrito para quem parte antes do
tempo, vítima do mais cruel dos destinos.
R.I.P
Ao nos deixares sem aviso, ficaste no Vazio da memória, preenchendo o
espaço da tua própria Ausência.
Não faltará contudo quem decole manipulando tuas verdades indeléveis, mas
será vôo rasante a sobrevoar a aridez da tua ausência.
E os que ficamos - executores de tuas últimas vontades - comprovaremos a
contragosto que a Humanidade morre não apenas de saudade, e que as leis
recusam serem aplicadas, e que sonhos e esperanças preferiram seguir-te a
ter que povoar a mentira oficial do novo Imperador do mundo.
O que sim deixaste latente, usável, tangível, é um dilacerante beco sem
saída, um desespero unilateral e sem fronteiras, e o livre arbítrio
ajoelhado e cabisbaixo para sempre.
Ficou também - nas pessoas que te amamos tanto - a inutilidade de esperar
sem recompensa a chegada do Vento trazendo o teu discurso, enquanto a dor
do rumo que perdemos embaça o horizonte daqueles que aqui estamos a
lembrar da proteção que nos brindaste.
As lições tatuadas na mortalha de cada um dos teus princípios e valores,
habitará na retina daqueles que ficamos, como tomografía da carência mais
sentida, e a certeza da injustiça de você ter sido fuzilada sem aviso,
anunciará solene e quotidianamente que a dor da tua ausência é maior que a
carícia com que a memória nos afaga.
Por isso, ao você partir de repente, morrendo irreversivelmente, a saudade
é a única herança que deixaste.
Os que te amamos tanto, morreremos cada vez que sentirmos tua falta; e os
que apenas te tocaram, morrerão um pouco cada vez que sentirem tua falta;
e os que te mataram, purgarão o seu calvário cada vez que o arrependimento
os visitar pedindo contas, e morrerão um pouco cada vez que sentirem tua
falta.
Despeço-me de você, querida e inesquecível amiga, sabendo que o teu legado
de esperança será difícil de impôr aos circunstantes, pois a Saudade que
deixaste é tão profunda, que impede aceitar de fato a tua Ausência.
In Memoriam da Liberdade (França,1789 - Iraque, 2003),
vítima colateral da
insanidade unilateral
(10 de maio/2003)
CooJornal
no 314