02/05/2003
Número - 313


 
Bruno Kampel


ORIENTE MÉDIO. NOVA PROPOSTA DE PAZ
["O caminho das pedras"]


 

Eu não perderia nem um minuto do meu tempo, nem uma só das minhas palavras, nem uma simples frase dos meus discursos, com o tal Mapa da mina que apresentaram os "três patetas e o tio Patinhas" (leia-se Rússia, UE, ONU e EUA).

É uma receita fadada ao fracasso, uma pura perda de tempo que só fará piorar as condições da ocupação, e em conseqüência incrementará a degradação ética do ocupante e exacerbará o ódio do ocupado.

As ambigüidades propositalmente incluídas nesse plano pesam mais do que as ofertas concretas. Os pontos passíveis de interpretação (a armadilha das resoluções 242 e 338 ) são verdadeiras minas enterradas sob esse papel inútil, minas que os protagonistas do drama sabem tão bem como fazer para que explodam na hora que mais lhes convier.

Some-se a isso o fato de que nos últimos dias, 87% dos senadores norte-americanos e dois terços da Câmara dos Deputados de lá enviaram um documento ao presidente dos Estados Unidos pedindo (exigindo, dado o peso político dos assinantes) que não pressione a Israel para que faça concessões, antes que os suicidas palestinos parem com os atentados.

Creio que não é preciso dizer mais. Outra vez os que sabem o que fazem deixam a última palavra na mão dos fanáticos, e com isso inviabilizam qualquer solução, transformando o injusto statu quo no qual se enfrentam ocupantes e ocupados, senhores e escravos, justos e pecadores, no modelo a ser imposto como definitivo, já que é isso o que realmente desejam o atual governo de Israel junto com a extrema-direita que o sustenta, assim como os fundamentalistas políticos e religiosos palestinos e - como não - os artífices da atual política exterior norte-americana.

Portanto, não existe nenhuma chance real de que o documento apresentado pelos quatro (USA, União Européia, Rússia e ONU) seja implementado enquanto Sharon e Bush forem a banca nesse jogo de cartas marcadas. Vejamos senão, ainda que en passant, algumas razões pelas quais o plano morrerá na praia, como tantos outros que o antecederam.

1.- O campo pacifista, do qual muito me orgulho de participar, e que não faz muito tempo desempenhou um papel preponderante (leia-se Conferência de Madri em 1991, Oslo em 93, etc), tem demonstrado nos últimos anos que:

a) Está atomizado, fraturado, rachado, sem discurso.

b) Não tem poder de pressão sobre o Congresso dos Estados Unidos, porque o Congresso dos Estados Unidos de hoje reflete uma nova realidade interna americana na qual não há espaço para nuances nem tons intermediários. Ou branco, ou branco. Ou comigo, ou contra mim. O Bem contra o Mal.

c) Fala por demasiadas vozes, muitas delas inexpressivas, e não poucas vezes discordantes e antagônicas.

2.- Quanto ao papel do segundo parceiro, a Organização das Nações Unidas:

a) a ONU não existe. Depois de mais de trinta anos de agonia, faleceu no Iraque. Essa é uma que nunca mais voltará à vida.

b) Ela foi mantida artificialmente pelos Estados Unidos enquanto servia aos seus interesses. Durante décadas nos acostumamos ao resultado 14 a 1 no Conselho de Segurança, e também ao respeito a esse resultado por parte dos 14 "vencidos" pelo veto americano, e do resto da comunidade internacional. Isso acabou no Iraque.

c) O pragmatismo dos governos fala mais alto que a verdade, que a justiça ou que a necessidade. A maioria aceitou o fato de que o novo cenário mundial tem um só xerife ( pelo menos até que a China termine de usar o capitalismo para modernizar-se ).

3.- Quanto ao papel da Rússia:

a) Talvez não todos tenham feito as contas direitinho, mas Rússia não passa de ser um satélite da economia ocidental, que por sua vez não passa de ser um satélite dos modernos conceitos de globalização, que também eles não passam de ser um capítulo da estratégia de poder dos Estados Unidos.

b) Os Estados Unidos sabem que a Rússia não desconhece que depende dos capitais americanos ou dos fundos internacionais, e estes últimos também sabem que dependem dos Estados Unidos.

c) A Rússia da qual se fala como potência acabou da mesma forma que a ONU. Mortinha para todo o sempre.

4.- Quanto ao papel da União Européia:

a) O que nunca chegou a ser uma verdadeira união de fato, acabou sendo uma desunião de direito. A Inglaterra, servindo aos interesses americanos, com a ajuda da Espanha, da Dinamarca e ainda que de forma mais passiva da Itália e da Holanda, deram o golpe de misericórdia. Estados Unidos agradece o favor, porque a concorrência do Euro é fatal para a economia mais endividada do mundo.

b) Os paises emergentes da esfera de influência da ex-União Soviética, desesperados pela falta crônica de dinheiro ou infra-estrutura para reconstruir paises estancados no início do século passado, viraram marionetes das Secretarias de Estado e do Tesouro americanas. Nos últimos meses romperam acordos com fabricantes de aviões europeus, e compraram nos Estados Unidos. Aviões civis e militares, por valor de 400 bilhões de dólares. Isso dá a pauta da influência do dólar nos países emergentes do comunismo.

c) A União européia de hoje não é a de 1991 quando dos acordos de Madri. A maioria dos países está sob governos da direita, com ou sem apoio da extrema-direita.

5.- Quanto ao papel de Israel e Palestina:

a) Nenhuma das atuais lideranças está em condições de sentar para negociar, porque os atores de hoje estão demasiado contaminados pelo ódio.

b) Não existe nenhuma vontade por parte dos Estados Unidos de impor uma solução justa, porque isso vai em contra das teorias dos ideólogos que alimentam o discurso dos detentores do poder.

c) O atual governo de Israel jamais aceitará a retirada dos assentamentos, a não ser teoricamente para ganhar tempo. Quem pensar diferente não sabe do que está falando, e não tem idéia de quem é Ariel Sharon.

Tudo isso e mais ainda que deixo na cartola, não significa que devamos abaixar os braços e a cabeça. Muito pelo contrário, tal impasse nos obriga mais do que nunca a buscar alternativas que pouco a pouco possam vir a transformar-se em soluções pragmáticas.

Mas hoje - neste maio de 2003 - o realismo nos obriga a considerar tal plano como uma pura e dolorosa perda de tempo, porque não colabora nem sequer com um pequeno grão de areia que ajude a construir uma alternativa real com a qual derrotar ao belicismo que hoje dirige a orquestra do Oriente Médio.

O otimismo sem base é mais nocivo que o pessimismo com fundamento.


(02 de maio/2003)
CooJornal no 313


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se 
http://kampel.com/poetika/brunokampel.htm