Bruno Kampel
ORIENTE MÉDIO. NOVA PROPOSTA DE PAZ
["O caminho das pedras"]
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Eu não perderia nem um minuto do meu tempo, nem uma só das minhas
palavras, nem uma simples frase dos meus discursos, com o tal Mapa da mina
que apresentaram os "três patetas e o tio Patinhas" (leia-se Rússia, UE,
ONU e EUA).
É uma receita fadada ao fracasso, uma pura perda de tempo que só fará
piorar as condições da ocupação, e em conseqüência incrementará a
degradação ética do ocupante e exacerbará o ódio do ocupado.
As ambigüidades propositalmente incluídas nesse plano pesam mais do que as
ofertas concretas. Os pontos passíveis de interpretação (a armadilha das resoluções 242 e 338 ) são verdadeiras minas enterradas sob esse papel
inútil, minas que os protagonistas do drama sabem tão bem como fazer para
que explodam na hora que mais lhes convier.
Some-se a isso o fato de que nos últimos dias, 87% dos senadores
norte-americanos e dois terços da Câmara dos Deputados de lá enviaram um
documento ao presidente dos Estados Unidos pedindo (exigindo, dado o peso
político dos assinantes) que não pressione a Israel para que faça
concessões, antes que os suicidas palestinos parem com os atentados.
Creio que não é preciso dizer mais. Outra vez os que sabem o que fazem
deixam a última palavra na mão dos fanáticos, e com isso inviabilizam
qualquer solução, transformando o injusto statu quo no qual se enfrentam
ocupantes e ocupados, senhores e escravos, justos e pecadores, no modelo a
ser imposto como definitivo, já que é isso o que realmente desejam o atual
governo de Israel junto com a extrema-direita que o sustenta, assim como
os fundamentalistas políticos e religiosos palestinos e - como não - os
artífices da atual política exterior norte-americana.
Portanto, não existe nenhuma chance real de que o documento apresentado
pelos quatro (USA, União Européia, Rússia e ONU) seja implementado
enquanto Sharon e Bush forem a banca nesse jogo de cartas marcadas.
Vejamos senão, ainda que en passant, algumas razões pelas quais o plano
morrerá na praia, como tantos outros que o antecederam.
1.- O campo pacifista, do qual muito me orgulho de participar, e que não
faz muito tempo desempenhou um papel preponderante (leia-se Conferência
de Madri em 1991, Oslo em 93, etc), tem demonstrado nos últimos anos que:
a) Está atomizado, fraturado, rachado, sem discurso.
b) Não tem poder de pressão sobre o Congresso dos Estados Unidos, porque o
Congresso dos Estados Unidos de hoje reflete uma nova realidade interna
americana na qual não há espaço para nuances nem tons intermediários. Ou
branco, ou branco. Ou comigo, ou contra mim. O Bem contra o Mal.
c) Fala por demasiadas vozes, muitas delas inexpressivas, e não poucas
vezes discordantes e antagônicas.
2.- Quanto ao papel do segundo parceiro, a Organização das Nações Unidas:
a) a ONU não existe. Depois de mais de trinta anos de agonia, faleceu no
Iraque. Essa é uma que nunca mais voltará à vida.
b) Ela foi mantida artificialmente pelos Estados Unidos enquanto servia
aos seus interesses. Durante décadas nos acostumamos ao resultado 14 a 1
no Conselho de Segurança, e também ao respeito a esse resultado por parte
dos 14 "vencidos" pelo veto americano, e do resto da comunidade
internacional. Isso acabou no Iraque.
c) O pragmatismo dos governos fala mais alto que a verdade, que a justiça
ou que a necessidade. A maioria aceitou o fato de que o novo cenário
mundial tem um só xerife ( pelo menos até que a China termine de usar o
capitalismo para modernizar-se ).
3.- Quanto ao papel da Rússia:
a) Talvez não todos tenham feito as contas direitinho, mas Rússia não
passa de ser um satélite da economia ocidental, que por sua vez não passa
de ser um satélite dos modernos conceitos de globalização, que também eles
não passam de ser um capítulo da estratégia de poder dos Estados Unidos.
b) Os Estados Unidos sabem que a Rússia não desconhece que depende dos
capitais americanos ou dos fundos internacionais, e estes últimos também
sabem que dependem dos Estados Unidos.
c) A Rússia da qual se fala como potência acabou da mesma forma que a ONU.
Mortinha para todo o sempre.
4.- Quanto ao papel da União Européia:
a) O que nunca chegou a ser uma verdadeira união de fato, acabou sendo
uma desunião de direito. A Inglaterra, servindo aos interesses americanos,
com a ajuda da Espanha, da Dinamarca e ainda que de forma mais passiva da
Itália e da Holanda, deram o golpe de misericórdia. Estados Unidos
agradece o favor, porque a concorrência do Euro é fatal para a economia
mais endividada do mundo.
b) Os paises emergentes da esfera de influência da ex-União Soviética,
desesperados pela falta crônica de dinheiro ou infra-estrutura para
reconstruir paises estancados no início do século passado, viraram
marionetes das Secretarias de Estado e do Tesouro americanas. Nos últimos
meses romperam acordos com fabricantes de aviões europeus, e compraram nos
Estados Unidos. Aviões civis e militares, por valor de 400 bilhões de
dólares. Isso dá a pauta da influência do dólar nos países emergentes do
comunismo.
c) A União européia de hoje não é a de 1991 quando dos acordos de Madri. A
maioria dos países está sob governos da direita, com ou sem apoio da
extrema-direita.
5.- Quanto ao papel de Israel e Palestina:
a) Nenhuma das atuais lideranças está em condições de sentar para
negociar, porque os atores de hoje estão demasiado contaminados pelo ódio.
b) Não existe nenhuma vontade por parte dos Estados Unidos de impor uma
solução justa, porque isso vai em contra das teorias dos ideólogos que
alimentam o discurso dos detentores do poder.
c) O atual governo de Israel jamais aceitará a retirada dos assentamentos,
a não ser teoricamente para ganhar tempo. Quem pensar diferente não sabe
do que está falando, e não tem idéia de quem é Ariel Sharon.
Tudo isso e mais ainda que deixo na cartola, não significa que devamos
abaixar os braços e a cabeça. Muito pelo contrário, tal impasse nos obriga
mais do que nunca a buscar alternativas que pouco a pouco possam vir a
transformar-se em soluções pragmáticas.
Mas hoje - neste maio de 2003 - o realismo nos obriga a considerar tal
plano como uma pura e dolorosa perda de tempo, porque não colabora nem
sequer com um pequeno grão de areia que ajude a construir uma alternativa
real com a qual derrotar ao belicismo que hoje dirige a orquestra do
Oriente Médio.
O otimismo sem base é mais nocivo que o pessimismo com fundamento.
(02 de maio/2003)
CooJornal
no 313