Bruno Kampel
O ESPELHO
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Anoitece quando nasce o dia, e os pássaros nadam alegres no fundo do rio,
e os peixes trinam satisfeitos desde seus ninhos nas palmeiras de todos os
desertos, enquanto a Verdade telegrafa comunicando a sua próxima chegada.
Rezam os ateus seus magníficos rosários, e os mudos entoam seus cantos
gregorianos, e os cegos controlam os vôos dos aeroportos de todas as
cidades, enquanto os fundamentalistas palestinos se arrependem de todos
seus pecados, e Sharon afanosamente procura uma paz justa que transforme
fronteiras em abraços.
Amanhece no epicentro da noite, e as bombas inteligentes engalanam os
salões de exposições de todos os museus, e repicam os sinos nos
campanários da capital das Mil e uma noites convidando para a missa de
sétimo dia em memória da cidade assassinada, enquanto George W. Bush
defende a Liberdade e a Democracia.
O Deus de Ariel Sharon pára de dedilhar os melódicos suspiros do Cântico
dos Cânticos sobre o teclado azul do rigor mortis de tantos inocentes, e o
Deus dos muçulmanos declama um sincero mea culpa pelos atropelos de alguns
dos seus filhos mais diletos, e o Deus de George W. deixa de brincar de
esconde-esconde entre os escombros dos santos evangelhos, enquanto a Paz
assume o comando de todos os exércitos.
A esperança escapa das masmorras de Guantânamo,
e a cordura invade as entrelinhas de todos os discursos,
e o pesadelo por fim acorda de si mesmo.
e todos nós seremos felizes para sempre.
(25 de abril/2003)
CooJornal
no 312