18/04/2003
Número - 311


 
Bruno Kampel


LULA - 0 GRANDE FIASCO?


 

Como todo militante de esquerda que se preza, sou bastante desconfiado em relação às promessas eleitorais, venham elas de onde vierem, e em razão disso a eleição de Lula fez que o dedo da minha curiosidade apertasse o gatilho, disparando minhas dúvidas e temores a torto e a direito.

Essa mania a adquiri há muitos anos, quando aprendi que o Poder é uma bela odalisca que sabe mexer as cadeiras com graça e sensualidade, e que quanto mais desconhecedor das suas manhas seja o governante de turno, mais fácil será seduzi-lo com a pele aveludada dos elogios dos aproveitadores, e com o aroma de perfume francês que emana dos salamaleques dos palacianos de turno, e com a melodia envolvente das ofertas irrecusáveis, e com as propostas indecentes trajadas a rigor mas que não conseguem esconder a indignidade dos propósitos daqueles que as apadrinham.

E aí está. O dia-a-dia não me deixa mentir. Quase todos os maiores delapidadores das reservas do Brasil são recebidos pelo presidente e nomeados para cargos vitais e ministérios decisivos. Sarney e ACM e a camarilha do Collor servem de amostra do leque de sanguessugas que tomou conta do cenário político.
No placar do jogo de cartas marcadas, como sempre o povo é o grande perdedor. Odaliscas de Ali Babá: 1.000 - Promessas, Princípios e Valores: 0 - Esse é o resultado parcial. Tudo indica que o final será muito, mas muito pior.

Isto escrevi um par de dias depois da eleição do Lula. Poxa... Eu bem que desconfiava... E agora, José?....


Espero, desejo, almejo, pretendo, estar errado....

... mas não consigo eliminar da realidade brasileira alguns fatos que são tão sólidos como o diamante, tão duros como a verdade, tão preocupantes como o passado. Vou alinhavar algumas dessas pedras no caminho do Brasil de Lula.

O estado de corrupção econômica atinge a todas as camadas da população. Roubam os ministros, e por isso seus assessores e os assistentes dos assessores dos assistentes dos assessores sentem-se amparados para também roubar. E roubam os patrões quando sonegam o imposto devido. E roubam os empregados quando aceitam a proposta de comprar sem nota para pagar um pouco menos. E roubam os policiais que permitem ou praticam o tráfico de drogas, e os generais que lhes dão cobertura, e assim sucessivamente.

Rouba o diretor do hospital quando cobra comissão dos fornecedores, e rouba o encarregado de compra da comida quando paga por mais do que recebe, e rouba a enfermeira quando leva para casa os remédios e os lençóis do hospital, e rouba o delegado que cobra dos bicheiros, e assim sucessivamente.

Rouba quem pode, porque roubar faz parte do comportamento imposto pela elite corrupta à sociedade brasileira. E rouba quem quer, porque a única condição para ser punido é que roube pouco e não suborne a quem corresponda. Porque roubam os juízes quando cobram para emitir sentenças manifestamente ilegais, e rouba o Conselho da Magistratura que os nomeia sabendo que serão juízes de aluguel, e rouba o procurador que acusa ou não de acordo com o preço cobrado ou não. E assim sucessivamente.

Um país na mão de ladrões que roubam uns aos outros e outros aos uns. Com governadores que roubam a esperança dos que são roubados diariamente. Com deputados que cobram tanto por cento para votar ou não votar esta ou aquela lei. E assim sucessivamente.

O estado de corrupção política é endêmico e crônico. Se roubou muito poderá financiar uma campanha e ser eleito deputado estadual. Se roubou mais ainda, deputado federal. Se ofereceu negociatas aos grandes empresários, chegará a governador. E assim sucessivamente.

Corrupção política é manipular resultados eleitorais, ou comprar com dólares ou com cargos ou com negociatas os votos no Congresso e paralisar comissões de inquérito. Corrupção política é ver como os ladrões de ontem continuam protegidos pelo manto sagrado da im(p)unidade parlamentar e muitos deles são os eleitos de hoje. E assim sucessivamente.

Visto isso e muito mais, as perguntas se apresentam com naturalidade: deverá Lula compôr com os líderes desse Brasil que as urnas enterraram?... Deverá Lula pactuar com os fabricantes da miséria, com os camelôs da desgraça, com os artífices da injustiça social?...

Deverá Lula deixar onde estão aos juízes que só chegaram onde estão por prometer julgar de acordo com os interesses dos que lá os colocaram?... Deverá Lula permitir que pessoas e grupos que vêm saqueando o Brasil sem dó nem piedade saiam impunes da mudança radical que o povo exigiu nas urnas?.... Deverá Lula aceitar que a globalização continue a minar os poucos alicerces que ainda restam em pé, permitindo que os grandes capitais continuem sugando o pouco sangue que restou nas veias da economia nacional?.... Deverá Lula permitir que os empreiteiros que cobraram quatro vezes o valor das obras que realizaram continuem participando das concorrências?... E assim sucessivamente...

Bem, espero estar errado, mas já veremos. Esperemos que desta eleição surja o Brasil que quase todos queremos, e não a decepção que uns poucos esperam ou desejam.



(18 de abril/2003)
CooJornal no 311


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se 
http://kampel.com/poetika/brunokampel.htm