Bruno Kampel
LULA - 0 GRANDE FIASCO?
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Como todo militante de esquerda que se preza, sou bastante desconfiado em
relação às promessas eleitorais, venham elas de onde vierem, e em razão
disso a eleição de Lula fez que o dedo da minha curiosidade apertasse o
gatilho, disparando minhas dúvidas e temores a torto e a direito.
Essa mania a adquiri há muitos anos, quando aprendi que o Poder é uma bela
odalisca que sabe mexer as cadeiras com graça e sensualidade, e que quanto
mais desconhecedor das suas manhas seja o governante de turno, mais fácil
será seduzi-lo com a pele aveludada dos elogios dos aproveitadores, e com
o aroma de perfume francês que emana dos salamaleques dos palacianos de
turno, e com a melodia envolvente das ofertas irrecusáveis, e com as
propostas indecentes trajadas a rigor mas que não conseguem esconder a
indignidade dos propósitos daqueles que as apadrinham.
E aí está. O dia-a-dia não me deixa mentir. Quase todos os maiores
delapidadores das reservas do Brasil são recebidos pelo presidente e
nomeados para cargos vitais e ministérios decisivos. Sarney e ACM e a
camarilha do Collor servem de amostra do leque de sanguessugas que tomou
conta do cenário político.
No placar do jogo de cartas marcadas, como sempre o povo é o grande
perdedor. Odaliscas de Ali Babá: 1.000 - Promessas, Princípios e Valores:
0 - Esse é o resultado parcial. Tudo indica que o final será muito, mas
muito pior.
Isto escrevi um par de dias depois da eleição do Lula. Poxa... Eu bem que
desconfiava... E agora, José?....
Espero, desejo, almejo, pretendo, estar errado....
... mas não consigo eliminar da realidade brasileira alguns fatos que são
tão sólidos como o diamante, tão duros como a verdade, tão preocupantes
como o passado. Vou alinhavar algumas dessas pedras no caminho do Brasil
de Lula.
O estado de corrupção econômica atinge a todas as camadas da população.
Roubam os ministros, e por isso seus assessores e os assistentes dos
assessores dos assistentes dos assessores sentem-se amparados para também
roubar. E roubam os patrões quando sonegam o imposto devido. E roubam os
empregados quando aceitam a proposta de comprar sem nota para pagar um
pouco menos. E roubam os policiais que permitem ou praticam o tráfico de
drogas, e os generais que lhes dão cobertura, e assim sucessivamente.
Rouba o diretor do hospital quando cobra comissão dos fornecedores, e
rouba o encarregado de compra da comida quando paga por mais do que
recebe, e rouba a enfermeira quando leva para casa os remédios e os
lençóis do hospital, e rouba o delegado que cobra dos bicheiros, e assim
sucessivamente.
Rouba quem pode, porque roubar faz parte do comportamento imposto pela
elite corrupta à sociedade brasileira. E rouba quem quer, porque a única
condição para ser punido é que roube pouco e não suborne a quem
corresponda. Porque roubam os juízes quando cobram para emitir sentenças
manifestamente ilegais, e rouba o Conselho da Magistratura que os nomeia
sabendo que serão juízes de aluguel, e rouba o procurador que acusa ou não
de acordo com o preço cobrado ou não. E assim sucessivamente.
Um país na mão de ladrões que roubam uns aos outros e outros aos uns. Com
governadores que roubam a esperança dos que são roubados diariamente. Com
deputados que cobram tanto por cento para votar ou não votar esta ou
aquela lei. E assim sucessivamente.
O estado de corrupção política é endêmico e crônico. Se roubou muito
poderá financiar uma campanha e ser eleito deputado estadual. Se roubou
mais ainda, deputado federal. Se ofereceu negociatas aos grandes
empresários, chegará a governador. E assim sucessivamente.
Corrupção política é manipular resultados eleitorais, ou comprar com
dólares ou com cargos ou com negociatas os votos no Congresso e paralisar
comissões de inquérito. Corrupção política é ver como os ladrões de ontem
continuam protegidos pelo manto sagrado da im(p)unidade parlamentar e
muitos deles são os eleitos de hoje. E assim sucessivamente.
Visto isso e muito mais, as perguntas se apresentam com naturalidade:
deverá Lula compôr com os líderes desse Brasil que as urnas enterraram?...
Deverá Lula pactuar com os fabricantes da miséria, com os camelôs da
desgraça, com os artífices da injustiça social?...
Deverá Lula deixar onde estão aos juízes que só chegaram onde estão por
prometer julgar de acordo com os interesses dos que lá os colocaram?...
Deverá Lula permitir que pessoas e grupos que vêm saqueando o Brasil sem
dó nem piedade saiam impunes da mudança radical que o povo exigiu nas
urnas?.... Deverá Lula aceitar que a globalização continue a minar os
poucos alicerces que ainda restam em pé, permitindo que os grandes
capitais continuem sugando o pouco sangue que restou nas veias da economia
nacional?.... Deverá Lula permitir que os empreiteiros que cobraram quatro
vezes o valor das obras que realizaram continuem participando das
concorrências?... E assim sucessivamente...
Bem, espero estar errado, mas já veremos. Esperemos que desta eleição
surja o Brasil que quase todos queremos, e não a decepção que uns poucos
esperam ou desejam.
(18 de abril/2003)
CooJornal
no 311
Bruno Kampel é analista político, poeta e
escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se
http://kampel.com/poetika/brunokampel.htm
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