12/04/2003
Número - 310


 
Bruno Kampel


DESCADASTRAMENTO


 

Tomara fosse possível descadastrar do dia-a-dia a ignomínia que rege o exercício do Poder, como possível é para a maioria dos governos descadastrar-se do respeito aos direitos humanos, bastando-lhes fazer um giro de 90 graus para ficarem de costas para o povo.

Tomara fosse possível descadastrar da memória da Humanidade as manchas negras que o abuso de poder está imprimindo nas entrelinhas da História de quase todos os povos, como possível é para a maioria dos governos descadastrar-se das mágicas promessas que incluíram nos seus discursos eleitoreiros, bastando-lhes apenas dar o dito por não dito.

Tomara fosse possível descadastrar do Poder a corrupção institucionalizada e a prevaricação, como possível é para a maioria dos governos descadastrar-se da honestidade de propósitos que juraram respeitar nos seus programas de governo, bastando-lhes apenas institucionalizar por decreto a mentira oficial e a fraude argumental.

Tomara fosse possível descadastrar do mapa a todos os políticos inescrupulosos que pululam pela geografia da realidade, que saltitam pelas páginas dos partidos, que nos olham desde as manchetes policiais, que conspiram desde as bancadas parlamentárias, que transitam pelos gabinetes oficiais e se locupletam pelos ministérios, como possível é para a maioria dos governos descadastrar aos cidadãos dos seus mais básicos direitos, bastando-lhes apenas ignorar os princípios básicos da democracia.

Tomara fosse possível evitar que os povos sucumbam vítimas das armadilhas tendidas pelos manipuladores de sempre, que para hipnotizar gente de boa-fé usam aromáticas receitas de futuro, preparadas e condimentadas com muitas lentejoulas que escondem sob o seu falso brilho o sorriso cínico de uma grande falta de ética e as unhas afiadas de uma enorme dose de sem-vergonhice, como possível é para a maioria dos governos descadastrar-se da obrigação de servir à mesa do povo um puro e simples e saboroso prato feito de boas intenções e condimentado com muito, mas muito respeito pelos comensais.

Tomara fosse possível extirpar o desânimo e a desesperança e o desinteresse que comandam o agir, o ser e o estar de quase todos os povos, como é possível para a maioria dos governos inculcar no povo o desânimo, a desesperança e o desinteresse.

Tomara tudo isso fosse realmente possível. Tomara.



(12 de abril/2003)
CooJornal no 310


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se 
http://kampel.com/poetika/brunokampel.htm