22/02/2003
Número - 303


 
Bruno Kampel


MEA CULPA, MEA MÁXIMA CULPA


 

Já faz algum tempo que andava à procura de um marco apropriado para poder verter algumas confissões que há muito venho incubando e que já alcançaram o suficiente grau de madureza como para caírem do galho da minha árvore interior e ganharem estado público.

Pelas referências que tenho a respeito da qualidade dos leitores que acessam o portal, acredito que este possa ser o cenário adequado para desembrulhar o meu segredo - o qual pasta inconsolável, solitário e sem rumo, na profunda aridez das estepes da minha privacidade.

Sei que não é fácil falar de assuntos de natureza íntima. E o tema que me leva a abrir o coração, o é, e para aumentar o tamanho do drama, refere-se ao território da sexualidade. Dos gostos e tendências. Dos meus gostos e tendências. Daí a dificuldade de ventilá-lo abertamente.

Sei muito bem que depois de entregar-lhes em bandeja de prata a minha verdade mais profunda, muitos de vocês ficarão - quando menos - surpresos. Outros, vestindo um ar de auto-suficiência, afirmarão: "eu sabiiiiia, bem que desconfiaaava!". Alguns não darão importância ao que lerem, e uns poucos nem lerão o que escrevo.

Enfim, cada cabeça uma sentença, pois cada indivíduo é o produto de seus gostos e preferências. Posso declarar, resumindo a ópera, que faço parte de uma minoria com tendências sexuais que poderiam ser catalogadas pela maioria como "anormais", o que convenhamos não é nenhuma vergonha, mas queira-se ou não, pessoas na minha situação, são - a cada dia que passa - mais e mais discriminadas, como se fossem doentes, ou empestados, ou coisa pior.

O grupo sexual do qual faço parte é - se comparado à generalidade da sociedade - bastante reduzido, mas nem por isso devemos ser execrados pelo comportamento hipócrita e desapiedado da maioria, que insiste em não respeitar a privacidade do ser humano, pisoteando o livre arbítrio dos indivíduos.

Tenho vivido a minha particular maneira de entender e exercer a sexualidade de forma quase clandestina, usando subterfúgios para não ser descoberto em "flagrante delito". E é a isso que desejo pôr um ponto final, liberando-me da obrigação de viver calando e/ou fingindo. Por isso, e mesmo conhecendo o tamanho do risco que corro, escancaro a minha alma perante os amigos virtuais e em duas simples palavras lhes confesso o meu mais íntimo segredo: sou heterossexual.

Sim. Confesso que pertenço à minoria masculina que adora mulher, que pensa mulher, que sonha mulher, que treme de emoção ao contato da pele feminina, e, o que é mais grave, que disto não me arrependo, mas muito pelo contrário, insisto e prometo reincidir sempre que a circunstância o permitir.

Sim, sou heterossexual num mundo em que ficamos cada vez menos, e cada vez mais somos considerados espécimes em vias de extinção, dignos de sermos expostos ao ridículo em praça pública.

Bem, aí está. Para ser franco, pensei que custasse mais, porém a confissão saiu sem vírgulas nem rodeios. Nem sequer um simples titubeio.

Acho que a esta altura, muitos de vocês terão reagido horrorizados, pensando: "como é possível que um homem goste apenas de mulher?" (que seja alta ou baixa ou gorda ou magra ou isto ou aquilo, como digo numa de minhas poesias). Pois é. Assim sou. Esse é o meu delito. Heterossexualissimamente masculino. Goste quem gostar e doa a quem doer.

Agora, depois de ter tirado esse peso de cima de mim, só espero que esta minha confissão - que reconheço é realmente terrível - não venha a afetar o relacionamento virtual entre nós.

Finalmente, creio que não devo encerrar esta declaração ante o notário da História sem antes mencionar que tenho apreço e consideração por todos aqueles que não comungam no mesmo credo sexológico que eu, e que respeito toda e qualquer tendência de toda e qualquer pessoa em toda e qualquer circunstância. Eu, entretanto, da mesma forma que faço parte da geração do whisky e não da geração das drogas, sou também membro vitalício da casta dos apreciadores do sexo oposto. No meu caso, as mulheres. Apenas mulheres, e nada mais do que mulheres. Quanto mais femininas, melhor. Quanto mais brasileiras, melhor ainda. Vive la diference!

Bom, se ainda sobrou algum leitor, que me perdoe por ter invadido os seus domínios para neles despejar o relato sobre os meus depravados vícios sexuais - totalmente anormais para esta época, mas dos quais - saibam - não abro mão nem que a vaca tussa.

P.S.: Cada um e os seus gostos. Os meus, agora vocês conhecem. Verbo ad verbum. Word by word. Tintim por tintim.

 

(22 de fevereiro/2003)
CooJornal no 303


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se 
http://kampel.com/poetika/brunokampel.htm