Bruno Kampel
MEA CULPA, MEA MÁXIMA CULPA
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Já faz algum tempo que andava à procura de um marco apropriado para poder
verter algumas confissões que há muito venho incubando e que já alcançaram
o suficiente grau de madureza como para caírem do galho da minha árvore
interior e ganharem estado público.
Pelas referências que tenho a respeito da qualidade dos leitores que
acessam o portal, acredito que este possa ser o cenário adequado para
desembrulhar o meu segredo - o qual pasta inconsolável, solitário e sem
rumo, na profunda aridez das estepes da minha privacidade.
Sei que não é fácil falar de assuntos de natureza íntima. E o tema que me
leva a abrir o coração, o é, e para aumentar o tamanho do drama, refere-se
ao território da sexualidade. Dos gostos e tendências. Dos meus gostos e
tendências. Daí a dificuldade de ventilá-lo abertamente.
Sei muito bem que depois de entregar-lhes em bandeja de prata a minha
verdade mais profunda, muitos de vocês ficarão - quando menos - surpresos.
Outros, vestindo um ar de auto-suficiência, afirmarão: "eu sabiiiiia, bem
que desconfiaaava!". Alguns não darão importância ao que lerem, e uns
poucos nem lerão o que escrevo.
Enfim, cada cabeça uma sentença, pois cada indivíduo é o produto de seus
gostos e preferências. Posso declarar, resumindo a ópera, que faço parte
de uma minoria com tendências sexuais que poderiam ser catalogadas pela
maioria como "anormais", o que convenhamos não é nenhuma vergonha, mas
queira-se ou não, pessoas na minha situação, são - a cada dia que passa -
mais e mais discriminadas, como se fossem doentes, ou empestados, ou coisa
pior.
O grupo sexual do qual faço parte é - se comparado à generalidade da
sociedade - bastante reduzido, mas nem por isso devemos ser execrados pelo
comportamento hipócrita e desapiedado da maioria, que insiste em não
respeitar a privacidade do ser humano, pisoteando o livre arbítrio dos
indivíduos.
Tenho vivido a minha particular maneira de entender e exercer a
sexualidade de forma quase clandestina, usando subterfúgios para não ser
descoberto em "flagrante delito". E é a isso que desejo pôr um ponto
final, liberando-me da obrigação de viver calando e/ou fingindo. Por isso,
e mesmo conhecendo o tamanho do risco que corro, escancaro a minha alma
perante os amigos virtuais e em duas simples palavras lhes confesso o meu
mais íntimo segredo: sou heterossexual.
Sim. Confesso que pertenço à minoria masculina que adora mulher, que pensa
mulher, que sonha mulher, que treme de emoção ao contato da pele feminina,
e, o que é mais grave, que disto não me arrependo, mas muito pelo
contrário, insisto e prometo reincidir sempre que a circunstância o
permitir.
Sim, sou heterossexual num mundo em que ficamos cada vez menos, e cada vez
mais somos considerados espécimes em vias de extinção, dignos de sermos
expostos ao ridículo em praça pública.
Bem, aí está. Para ser franco, pensei que custasse mais, porém a confissão
saiu sem vírgulas nem rodeios. Nem sequer um simples titubeio.
Acho que a esta altura, muitos de vocês terão reagido horrorizados,
pensando: "como é possível que um homem goste apenas de mulher?" (que seja
alta ou baixa ou gorda ou magra ou isto ou aquilo, como digo numa de
minhas poesias). Pois é. Assim sou. Esse é o meu delito.
Heterossexualissimamente masculino. Goste quem gostar e doa a quem doer.
Agora, depois de ter tirado esse peso de cima de mim, só espero que esta
minha confissão - que reconheço é realmente terrível - não venha a afetar
o relacionamento virtual entre nós.
Finalmente, creio que não devo encerrar esta declaração ante o notário da
História sem antes mencionar que tenho apreço e consideração por todos
aqueles que não comungam no mesmo credo sexológico que eu, e que respeito
toda e qualquer tendência de toda e qualquer pessoa em toda e qualquer
circunstância. Eu, entretanto, da mesma forma que faço parte da geração do
whisky e não da geração das drogas, sou também membro vitalício da casta
dos apreciadores do sexo oposto. No meu caso, as mulheres. Apenas
mulheres, e nada mais do que mulheres. Quanto mais femininas, melhor.
Quanto mais brasileiras, melhor ainda. Vive la diference!
Bom, se ainda sobrou algum leitor, que me perdoe por ter invadido os seus
domínios para neles despejar o relato sobre os meus depravados vícios
sexuais - totalmente anormais para esta época, mas dos quais - saibam -
não abro mão nem que a vaca tussa.
P.S.: Cada um e os seus gostos. Os meus, agora vocês conhecem. Verbo ad
verbum. Word by word. Tintim por tintim.
(22 de fevereiro/2003)
CooJornal
no 303