Bruno Kampel
HOTEL RIOTOTAL INN
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Bastou um olhar de relance para adivinhar que mais do que hotel era
estalagem, ou melhor definindo, pousada, lugar onde arquivar o manuscrito
da vida e ativar a assimétrica improvisação da imaginação.
Antes mesmo de ter colocado o segundo pé dentro da casa fui assaltado por
duas belas dúvidas que circulavam faceiras oferecendo aos que chegavam uma
de duas alternativas: sair correndo antes de ser definitivamente marcado
com os ferros da inteligência e da amizade ou, como a dúvida mais bela
propunha em prosa e verso, cair de vez nos braços sedutores da felicidade
circundante.
Sem pensar – porque há muito que aprendi ser a melhor forma de fazê-lo -
optei pelo conselho da mais bonita e encaminhei-me à Recepção para o
registro de praxe, usando para tal efeito o meu mais autêntico nome falso,
pois deixara o verdadeiro atrelado às minhas dúvidas e dívidas
existenciais.
Perguntou-me a gerente - Irene, o seu nome - se tinha preferências quanto
ao tamanho do quarto e à mobília do mesmo, e eu, ante o imperativo da
escolha, pedi que me detalhasse as diferenças.
Bom, disse-me I.S. - que é o apócope fantasiado de pseudônimo - temos
quartos simples, alguns de frente e outros de perfil, com paredes lisas
sobre as quais está permitido desenhar um grito de alegria e esculpir duas
lágrimas de felicidade, e inclui um silêncio sepulcral que sem taxa extra
incita a formular três perguntas sem resposta.
Nesses quartos – continuou explicando didaticamente - não se permite nem a
rima nem a prosa nem frases grandiloquentes. A cama não é muito grande mas
nela cabe, garantiu Serra - que é o esconderijo do apócope fantasiado de
pseudônimo - não apenas o corpo, mas há espaço suficiente para 35% das
angústias e metade das esperanças. Deitado - arrematou - tem-se direito a
três sonhos maravilhosos, ainda que por causa do reduzido preço da diária
nenhum deles poderá transformar-se em realidade.
Também temos quartos grandes, contou-me IRENE SERRA, the webmaster - que é
o apelido do apócope do ilustrado pseudônimo - nos quais as paredes
transpiram ternura e só aceitam o olhar se vier despido de artimanhas.
Nesse quarto, garantiu-me irene@riototal.com.br - que é o hábitat
eletrônico do apelido do apócope do ilustrado pseudônimo - é só fechar os
olhos e assistir ao duelo ente a Notícia e a Realidade, entre o Saber e o
Aprender, entre o ler e o entender. Os espadachins vão e vêm, cambiantes
quanto ao tom e ao som. Vai Rui Martins e volta Renato Kloss; vem um fato
consumado e vai-se a notícia de ontem; avança a tomografia do futuro e cai
ferido de emoção Affonso Romano de Santana, enquanto os outros atores
vestem a carátula apropriada para poder dizer verdades sem temor.
Nesse ambiente, avisou-me a foniatra Irene - que é o disfarce do hábitat
eletrônico do apelido do pseudônimo - vale chorar de alegria ou sofrer de
felicidade, e sem custo extra permite-se contagiar ao próximo com a febre
de viver que faz parte da mobília.
Temos as suítes, jogou-me na cara a psicóloga Serra - que é o uniforme do
disfarce do hábitat eletrônico do apelido do pseudônimo - e com olho
clínico estudou o meu semblante, tentando adivinhar se eu estava preparado
para tamanha orgia.
É enorme, afirmou. Tem crime perfeito, tem castigo exemplar, tem riso e
choro, tem lágrima e lenço, tem garrafas cheias de esperança e copos para
bebê-la, e um armário cheio de promessas cumpridas de todos os tamanhos e
cores para todos os tipos e expectativas. Tem caneta e papel, e uma caixa
cheia de inspiração para ser usada sem limite.
O importante - disse olhando-me dentro dos olhos I.S., IRENE SERRA,
foniatra e psicóloga, the webmaster, pseudônimo de gentileza, uniforme do
disfarce do hábitat eletrônico do apelido do pseudônimo - é que o hóspede,
seja do quarto simples ou do grande, ou ainda da enorme suíte, está
obrigado a usufruir os prazeres mágicos que a estalagem oferece como
brinde: uma boa companhia virtual, um debate amigável, uma esperança
tangível. E pior ainda, ou na linguagem que mais nos serve, melhor ainda,
ninguém pode partir sem levar um pouco dos outros e sem deixar um
pouquinho de si.
Decidi, disse-lhe EU - que é o pseudônimo de mim mesmo - que fico com os
três quartos, e seja o que Deus quiser.
Pois bem, gente. O resto, a minha experiência nas horas que vivi nessa
pousada à beira da estrada cibernética, o deixo para um depois-eu-conto.
Só quero registrar que ainda estou refazendo-me da surra de amizade que
levei, e dos pontapés culturais que apanhei, e dos socos de conhecimento
que encaixei, e da poesia que intuí, e da prosa que entendi, e dos olhares
úmidos de alegria que adivinhei, e dos abraços cibernéticos que pressenti.
Quando esta sensação de paz passar - e antes de abandonar o nirvana -
talvez encontre forças para terminar de contar o que significou amarrar o
meu cavalo no Hotel RIOTOTAL Inn.
Publicado
em 22/02/2003 no CooJornal.
Bruno Kampel é analista político, poeta e escritor.
bruno@kampel.com
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