01/10/2018
Ano 22 - Número 1.095


 

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BRUNO KAMPEL

 

 
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Bruno Kampel



HOTEL RIOTOTAL INN

 

Bruno Kampel, colunista - CooJornal

Bastou um olhar de relance para adivinhar que mais do que hotel era estalagem, ou melhor definindo, pousada, lugar onde arquivar o manuscrito da vida e ativar a assimétrica improvisação da imaginação.

Antes mesmo de ter colocado o segundo pé dentro da casa fui assaltado por duas belas dúvidas que circulavam faceiras oferecendo aos que chegavam uma de duas alternativas: sair correndo antes de ser definitivamente marcado com os ferros da inteligência e da amizade ou, como a dúvida mais bela propunha em prosa e verso, cair de vez nos braços sedutores da felicidade circundante.

Sem pensar – porque há muito que aprendi ser a melhor forma de fazê-lo - optei pelo conselho da mais bonita e encaminhei-me à Recepção para o registro de praxe, usando para tal efeito o meu mais autêntico nome falso, pois deixara o verdadeiro atrelado às minhas dúvidas e dívidas existenciais.

Perguntou-me a gerente - Irene, o seu nome - se tinha preferências quanto ao tamanho do quarto e à mobília do mesmo, e eu, ante o imperativo da escolha, pedi que me detalhasse as diferenças.

Bom, disse-me I.S. - que é o apócope fantasiado de pseudônimo - temos quartos simples, alguns de frente e outros de perfil, com paredes lisas sobre as quais está permitido desenhar um grito de alegria e esculpir duas lágrimas de felicidade, e inclui um silêncio sepulcral que sem taxa extra incita a formular três perguntas sem resposta.

Nesses quartos – continuou explicando didaticamente - não se permite nem a rima nem a prosa nem frases grandiloquentes. A cama não é muito grande mas nela cabe, garantiu Serra - que é o esconderijo do apócope fantasiado de pseudônimo - não apenas o corpo, mas há espaço suficiente para 35% das angústias e metade das esperanças. Deitado - arrematou - tem-se direito a três sonhos maravilhosos, ainda que por causa do reduzido preço da diária nenhum deles poderá transformar-se em realidade.

Também temos quartos grandes, contou-me IRENE SERRA, the webmaster - que é o apelido do apócope do ilustrado pseudônimo - nos quais as paredes transpiram ternura e só aceitam o olhar se vier despido de artimanhas.

Nesse quarto, garantiu-me irene@riototal.com.br - que é o hábitat eletrônico do apelido do apócope do ilustrado pseudônimo - é só fechar os olhos e assistir ao duelo ente a Notícia e a Realidade, entre o Saber e o Aprender, entre o ler e o entender. Os espadachins vão e vêm, cambiantes quanto ao tom e ao som. Vai Rui Martins e volta Renato Kloss; vem um fato consumado e vai-se a notícia de ontem; avança a tomografia do futuro e cai ferido de emoção Affonso Romano de Santana, enquanto os outros atores vestem a carátula apropriada para poder dizer verdades sem temor.

Nesse ambiente, avisou-me a foniatra Irene - que é o disfarce do hábitat eletrônico do apelido do pseudônimo - vale chorar de alegria ou sofrer de felicidade, e sem custo extra permite-se contagiar ao próximo com a febre de viver que faz parte da mobília.

Temos as suítes, jogou-me na cara a psicóloga Serra - que é o uniforme do disfarce do hábitat eletrônico do apelido do pseudônimo - e com olho clínico estudou o meu semblante, tentando adivinhar se eu estava preparado para tamanha orgia.

É enorme, afirmou. Tem crime perfeito, tem castigo exemplar, tem riso e choro, tem lágrima e lenço, tem garrafas cheias de esperança e copos para bebê-la, e um armário cheio de promessas cumpridas de todos os tamanhos e cores para todos os tipos e expectativas. Tem caneta e papel, e uma caixa cheia de inspiração para ser usada sem limite.

O importante - disse olhando-me dentro dos olhos I.S., IRENE SERRA, foniatra e psicóloga, the webmaster, pseudônimo de gentileza, uniforme do disfarce do hábitat eletrônico do apelido do pseudônimo - é que o hóspede, seja do quarto simples ou do grande, ou ainda da enorme suíte, está obrigado a usufruir os prazeres mágicos que a estalagem oferece como brinde: uma boa companhia virtual, um debate amigável, uma esperança tangível. E pior ainda, ou na linguagem que mais nos serve, melhor ainda, ninguém pode partir sem levar um pouco dos outros e sem deixar um pouquinho de si.

Decidi, disse-lhe EU - que é o pseudônimo de mim mesmo - que fico com os três quartos, e seja o que Deus quiser.

Pois bem, gente. O resto, a minha experiência nas horas que vivi nessa pousada à beira da estrada cibernética, o deixo para um depois-eu-conto.

Só quero registrar que ainda estou refazendo-me da surra de amizade que levei, e dos pontapés culturais que apanhei, e dos socos de conhecimento que encaixei, e da poesia que intuí, e da prosa que entendi, e dos olhares úmidos de alegria que adivinhei, e dos abraços cibernéticos que pressenti.

Quando esta sensação de paz passar - e antes de abandonar o nirvana - talvez encontre forças para terminar de contar o que significou amarrar o meu cavalo no Hotel RIOTOTAL Inn.

 

Publicado em 22/02/2003 no CooJornal.
 
 


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.

bruno@kampel.com




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