Bruno Kampel
PROCURANDO AGULHAS NO PALHEIRO CIBERNÉTICO
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Para encontrar na rede novos amigos virtuais é fundamental elaborar
detalhadamente o perfil do candidato procurado. Definir tanto os contornos
desejáveis do seu universo interior quanto a qualidade do conteúdo mágico
do seu sentir, assim como também determinar aprioristicamente quais os
parâmetros a usar na avaliação da autenticidade das suas promessas, da
profundidade do seu discurso, da veracidade da sua perplexidade, e da
castidade do seu ar de felicidade.
Mas isso não é tudo, pois ainda faltará a imagem digitalizada que mostre e
quantifique o brilho dos lábios, que pese o calibre do olhar, que avalie a
métrica do sorriso, que meça o peso específico do semblante, e que
radiografe as cicatrizes que a adversidade tenha lavrado sobre a epiderme
do seu caráter.
Depois de terminar o rascunho inicial, torna-se imperativo coligir mais
informações fidedignas que ajudem a compor o retrato falado do candidato,
pois antes de abrir-lhe as portas da nossa boa-fé devemos conhecê-lo muito
além da fina pele cibernética que lhe serve de esconderijo.
Para tal efeito, devemos obter respostas sinceras a umas poucas perguntas:
1. A sua honestidade de propósitos é perene?...
2. Resta alguma esperança disponível na sua agenda?...
3. Leva alguns fracassos escondidos na cartola?...
4. A sua alegria de viver ainda palpita?...
5. Sente falta de quem lhe afague o ego e lhe anestesie a insegurança?...
6. A utopia irrealizável ainda resiste aos embates do dia-a-dia?...
Finalmente, e após aprovar o exame, o candidato deverá saber que o que se
espera dele não é apenas uma troca de mensagens eletrônicas, pois essas
não faltam, nem um curriculum-vitae, porque nele a mentira impera
soberana, mas um mapa tridimensional de si mesmo, que só ele poderá
cartografar com fidelidade.
Então, quando o candidato finalmente tiver cumprido com todos os
requisitos, poder-se-á inaugurar festivamente a nova parceria virtual,
galopando o ciberespaço em companhia do outro, visitando pouco a pouco as
galáxias que o formam, os mares tormentosos que o banham, as ilhas
quânticas que o povoam, digitando em uníssono os riscos da travessia, e
conjugando harmonicamente os gritos de espanto e os silêncios de
felicidade.
(15 de fevereiro/2003)
CooJornal
no 302