15/02/2003
Número - 302


 
Bruno Kampel


PROCURANDO AGULHAS NO PALHEIRO CIBERNÉTICO


 

Para encontrar na rede novos amigos virtuais é fundamental elaborar detalhadamente o perfil do candidato procurado. Definir tanto os contornos desejáveis do seu universo interior quanto a qualidade do conteúdo mágico do seu sentir, assim como também determinar aprioristicamente quais os parâmetros a usar na avaliação da autenticidade das suas promessas, da profundidade do seu discurso, da veracidade da sua perplexidade, e da castidade do seu ar de felicidade.

Mas isso não é tudo, pois ainda faltará a imagem digitalizada que mostre e quantifique o brilho dos lábios, que pese o calibre do olhar, que avalie a métrica do sorriso, que meça o peso específico do semblante, e que radiografe as cicatrizes que a adversidade tenha lavrado sobre a epiderme do seu caráter.

Depois de terminar o rascunho inicial, torna-se imperativo coligir mais informações fidedignas que ajudem a compor o retrato falado do candidato, pois antes de abrir-lhe as portas da nossa boa-fé devemos conhecê-lo muito além da fina pele cibernética que lhe serve de esconderijo.

Para tal efeito, devemos obter respostas sinceras a umas poucas perguntas:

1. A sua honestidade de propósitos é perene?...
2. Resta alguma esperança disponível na sua agenda?...
3. Leva alguns fracassos escondidos na cartola?...
4. A sua alegria de viver ainda palpita?...
5. Sente falta de quem lhe afague o ego e lhe anestesie a insegurança?...
6. A utopia irrealizável ainda resiste aos embates do dia-a-dia?...

Finalmente, e após aprovar o exame, o candidato deverá saber que o que se espera dele não é apenas uma troca de mensagens eletrônicas, pois essas não faltam, nem um curriculum-vitae, porque nele a mentira impera soberana, mas um mapa tridimensional de si mesmo, que só ele poderá cartografar com fidelidade.

Então, quando o candidato finalmente tiver cumprido com todos os requisitos, poder-se-á inaugurar festivamente a nova parceria virtual, galopando o ciberespaço em companhia do outro, visitando pouco a pouco as galáxias que o formam, os mares tormentosos que o banham, as ilhas quânticas que o povoam, digitando em uníssono os riscos da travessia, e conjugando harmonicamente os gritos de espanto e os silêncios de felicidade.
 

(15 de fevereiro/2003)
CooJornal no 302


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se 
http://kampel.com/poetika/brunokampel.htm