08/02/2003
Número - 301

- Europa: esquerda, volver!
- Manifesto das ovelhas negras

 
Bruno Kampel


ARMAS DE DESTRUIÇÃO EM MASSA


 

Todos os que lemos um pouco ou os que vivemos bastante ou os que pensamos muito sobre o pouco que lemos ou o bastante que vivemos, sabemos que não existe melhor caminho para que uma mentira se transforme em "verdade" do que repeti-la até o cansaço.

Um Bin Laden que ninguém viu e que poucos ouviram falar antes do 11 de setembro - a não ser como colaborador da CIA na luta no Afganistão contra a desaparecida União Soviética - aparece em cena como a cabeça de uma poderosíssima e até então desconhecidíssima rede mundial de terrorismo, responsável por todos os males havidos e por haver.

O Iraque, triste exemplo do que seja uma ditadura - mas tão somente mais uma das tantas que governam importantes países com o apoio explícito dos governos ocidentais, desses mesmos governos que se declaram defensores dos valores democráticos - passou a ser a grande ameaça que paira sobre o mundo, com as suas poderosas armas de destruição em massa que durante anos os inspetores procuram sem sucesso.

E a parte podre da maçã chamada Imprensa, domesticada ou lubrificada com o "combustível" que faz funcionar ao capitalismo, dedica-se a criar o clima necessário, publicando diariamente notícias tendenciosas nas quais se acusa de mentirosos traidores aos "nécios" que consideram que o interesse real dos Estados Unidos no "affaire" Iraque é pura e simplesmente apropriar-se do controle das maiores fontes de óleo cru do mundo (incluída a Venezuela, a cujo presidente os porta-vozes da Grande Mentira já acusam - preparando o terreno - de ser cúmplice dos terroristas), e não, como declaram propagandisticamente, instaurar em parte da antiga Mesopotamia um regime democrático .

O Paquistão, dentro dessa filosofia, ainda que governado por um ditador não melhor que o do Iraque, passou a ser exemplo de bom comportamento, mesmo que o ditador seja tão açougueiro como o de Bagdad.

Palestina, que abandonou o caminho da negociação iniciado por Arafat e Rabin, caiu na armadilha que o fundamentalismo religioso defendido pela Jihad Islâmica, por Hammás e por outros grupos afins, lhe tenderam, e com o apoio por ação ou omissão do mundo árabe deixou que os terroristas suicidas, juntamente com os inocentes que matam covardemente, também explodissem todas as pontes que restaram, deixando no seu lugar apenas escombros que separam, na vã esperança de impor pelo sangue a Pax Palestina, sem levar em consideração as aspirações e os direitos do povo de Israel.

Israel, que abandonou o caminho da negociação iniciado por Rabin e Arafat, caiu na armadilha que o fundamentalismo político de extrema-direita lhe tendeu, apagando com bombas a luz que brilhava no fim do túnel, e destruindo com os assassinatos seletivos todas as pontes que uniam, construindo em troca muralhas que separam, e tudo isso na vã esperança de instaurar por decreto a Pax Israelense sem ter em conta os desejos, as aspirações e os direitos do povo palestino.

E assim de mentira em mentira, repetidas em todos os idiomas, transmitidas em todas as freqüências e publicadas em todos os meios, nasce a Grande Verdade, enterrando no subsolo da propaganda os pequenos e incômodos fatos que não atendam aos interesses dos editores da nova realidade virtual.

Talvez por já ter passado da idade de poder ser amestrado, e ser alérgico aos barbantes que mexem os braços e as pernas e as consciências e as línguas das marionetes, utilizo para chegar a conclusões próprias uma velha fórmula de fazer as contas, que me deixa dormir em paz com os resultados obtidos, sejam ou não do meu gosto.

Usando a minha pobre fantasia, abusando de toda a imaginação disponível, exacerbando meu desnutrido instinto criativo, subornando ao Amém!... e ao Sim Senhor!... que teimam em querer comandar o que eu deva ou não deva fazer ou dizer, chego à conclusão de que estas e não outras são as principais armas de destruição em massa que nos ameaçam. Elas interagem, pois pertencem a uma mesma família, e por isso a sua aparição em cena é irrelevante. Como dizem os matemáticos, a ordem dos fatores não altera o produto.

* A FOME

Encontrada nos arsenais de mais da metade dos países do mundo. Segundo os inspetores que a descobriram, os seus efeitos diretos e colaterais são letais para grandes parcelas da população por ela atingida. Localizaram-se milhões de páginas humanas enterradas nas fossas comuns dos cemitérios do continente negro, o que prova sem nenhuma dúvida que a África tem sido o campo de treinamento preferido, no qual se experimenta até os dias de hoje.

Os inspetores não o afirmam oficialmente, mas sim o confirmam off the record, que a Fome Endêmica é manufaturada principalmente nos atapetados gabinetes de certas empresas multi-nacionais e de alguns órgãos governamentais dos Estados Unidos, e também nas sucursais que eles administram com zelo e mão-de-ferro dentro dos governos e Bancos Centrais de todos os países nos quais a terrível arma foi detectada.

* O FUNDAMENTALISMO

Os inspetores não tiveram nenhuma dificuldade para encontrá-lo em muitos países espalhados por todos os continentes. Descobriram duas variações dessa terrível arma biológica. O Fundamentalismus Políticus, que é usado principalmente pelos governantes, e o Fundamentalismus Divinus, que vem camuflado dentro dos livros sagrados das três religiões monoteístas, e cujo veneno destrói a capacidade de raciocínio dos afetados até impedi-los de discernir entre o que é certo e o que está errado.

Segundo os relatórios dos inspetores, essas duas armas - quando usadas simultaneamente - provocam grandes catástrofes humanas, como a Inquisição, o Holocausto, Vietnam, Kosovo, Afganistão, Palestina, os ataques suicidas contra Israel, os bombardeios indiscriminados, e similares.

* A INSOLIDARIEDADE

Neste caso os inspetores enfrentaram muitas dificuldades na hora de quantificar os estoques desta arma, porque ela está majoritariamente depositada nas sedes governamentais dos chamados países ricos.

Toda classe de empecilhos foram criados pelos referidos governos para que a inspeção não pudesse obter resultados concretos e/ou incriminatórios.

Os inspetores apenas conseguiram constatar a presença de uma grande falta de respeito pelas minorias, de muito desprezo pelos pobres y de uma enorme indiferença pelos doentes sem recursos.

Também foi encontrada nos arquivos secretos do Poder uma ordem-de-serviço assinada pelo Grande Líder, na qual se insiste na necessidade de destruir os possíveis antídotos que pudessem eliminar as diferenças, erradicar a pobreza e/ou reduzir o preço dos remédios e do atendimento médico.

* A POBREZA

Visitando os países nos quais se sabia de fontes não tão secretas que existiam grandes quantidades desta poderosa arma de destruição em massa, os inspetores não precisaram trabalhar muito para comprovar que a suspeita tinha fundamento.

A arma - segundo esses relatórios - geralmente vem escondida dentro dos salários miseráveis ou na inexistência dos mesmos. Nesse segundo caso, com o tempo a Pobreza sofre mutações genéticas e se transforma em Miséria, cujos efeitos são degradantes e letais.

* A DISCRIMINAÇÃO RACIAL E RELIGIOSA

Neste particular, as provas falam por si mesmas. O inspetor judeu teve sua entrada proibida na Síria. O Inspetor preto foi barrado no aeroporto de Estocolmo. O inspetor muçulmano foi preso em Tel-Aviv. O inspetor ateu foi proibido de inspecionar o Vaticano.


Sei que essas não são todas as armas de destruição em massa ao alcance dos governos totalitários, dos governantes megalomaníacos, dos aproveitadores profissionais, dos ditadores de turno, dos falsos Messias. Mas sei que descobri-las e catalogá-las é o primeiro passo que podemos e devemos dar para voltarmos a ser plenamente humanos, construindo um mundo no qual viver seja um prazer obrigatório, e ser feliz uma possibilidade ao alcance de todos.
 

(08 de fevereiro/2003)
CooJornal no 301


Bruno Kampel  é analista político, poeta e escritor.
Reside atualmente na Suécia.
bkampel@home.se 
http://kampel.com/poetika/brunokampel.htm