Bruno Kampel
ARMAS DE DESTRUIÇÃO EM MASSA
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Todos os que lemos um pouco ou os que vivemos bastante ou os que pensamos
muito sobre o pouco que lemos ou o bastante que vivemos, sabemos que não
existe melhor caminho para que uma mentira se transforme em "verdade" do
que repeti-la até o cansaço.
Um Bin Laden que ninguém viu e que poucos ouviram falar antes do 11 de
setembro - a não ser como colaborador da CIA na luta no Afganistão contra
a desaparecida União Soviética - aparece em cena como a cabeça de uma
poderosíssima e até então desconhecidíssima rede mundial de terrorismo,
responsável por todos os males havidos e por haver.
O Iraque, triste exemplo do que seja uma ditadura - mas tão somente mais
uma das tantas que governam importantes países com o apoio explícito dos
governos ocidentais, desses mesmos governos que se declaram defensores dos
valores democráticos - passou a ser a grande ameaça que paira sobre o
mundo, com as suas poderosas armas de destruição em massa que durante anos
os inspetores procuram sem sucesso.
E a parte podre da maçã chamada Imprensa, domesticada ou lubrificada com o
"combustível" que faz funcionar ao capitalismo, dedica-se a criar o clima
necessário, publicando diariamente notícias tendenciosas nas quais se
acusa de mentirosos traidores aos "nécios" que consideram que o interesse
real dos Estados Unidos no "affaire" Iraque é pura e simplesmente
apropriar-se do controle das maiores fontes de óleo cru do mundo (incluída
a Venezuela, a cujo presidente os porta-vozes da Grande Mentira já acusam
- preparando o terreno - de ser cúmplice dos terroristas), e não, como
declaram propagandisticamente, instaurar em parte da antiga Mesopotamia um
regime democrático .
O Paquistão, dentro dessa filosofia, ainda que governado por um ditador
não melhor que o do Iraque, passou a ser exemplo de bom comportamento,
mesmo que o ditador seja tão açougueiro como o de Bagdad.
Palestina, que abandonou o caminho da negociação iniciado por Arafat e
Rabin, caiu na armadilha que o fundamentalismo religioso defendido pela
Jihad Islâmica, por Hammás e por outros grupos afins, lhe tenderam, e com
o apoio por ação ou omissão do mundo árabe deixou que os terroristas
suicidas, juntamente com os inocentes que matam covardemente, também
explodissem todas as pontes que restaram, deixando no seu lugar apenas
escombros que separam, na vã esperança de impor pelo sangue a Pax
Palestina, sem levar em consideração as aspirações e os direitos do povo
de Israel.
Israel, que abandonou o caminho da negociação iniciado por Rabin e Arafat,
caiu na armadilha que o fundamentalismo político de extrema-direita lhe
tendeu, apagando com bombas a luz que brilhava no fim do túnel, e
destruindo com os assassinatos seletivos todas as pontes que uniam,
construindo em troca muralhas que separam, e tudo isso na vã esperança de
instaurar por decreto a Pax Israelense sem ter em conta os desejos, as
aspirações e os direitos do povo palestino.
E assim de mentira em mentira, repetidas em todos os idiomas, transmitidas
em todas as freqüências e publicadas em todos os meios, nasce a Grande
Verdade, enterrando no subsolo da propaganda os pequenos e incômodos fatos
que não atendam aos interesses dos editores da nova realidade virtual.
Talvez por já ter passado da idade de poder ser amestrado, e ser alérgico
aos barbantes que mexem os braços e as pernas e as consciências e as
línguas das marionetes, utilizo para chegar a conclusões próprias uma
velha fórmula de fazer as contas, que me deixa dormir em paz com os
resultados obtidos, sejam ou não do meu gosto.
Usando a minha pobre fantasia, abusando de toda a imaginação disponível,
exacerbando meu desnutrido instinto criativo, subornando ao Amém!... e ao
Sim Senhor!... que teimam em querer comandar o que eu deva ou não deva
fazer ou dizer, chego à conclusão de que estas e não outras são as
principais armas de destruição em massa que nos ameaçam. Elas interagem,
pois pertencem a uma mesma família, e por isso a sua aparição em cena é
irrelevante. Como dizem os matemáticos, a ordem dos fatores não altera o
produto.
* A FOME
Encontrada nos arsenais de mais da metade dos países do mundo. Segundo os
inspetores que a descobriram, os seus efeitos diretos e colaterais são
letais para grandes parcelas da população por ela atingida. Localizaram-se
milhões de páginas humanas enterradas nas fossas comuns dos cemitérios do
continente negro, o que prova sem nenhuma dúvida que a África tem sido o
campo de treinamento preferido, no qual se experimenta até os dias de
hoje.
Os inspetores não o afirmam oficialmente, mas sim o confirmam off the
record, que a Fome Endêmica é manufaturada principalmente nos
atapetados gabinetes de certas empresas multi-nacionais e de alguns órgãos
governamentais dos Estados Unidos, e também nas sucursais que eles
administram com zelo e mão-de-ferro dentro dos governos e Bancos Centrais
de todos os países nos quais a terrível arma foi detectada.
* O FUNDAMENTALISMO
Os inspetores não tiveram nenhuma dificuldade para encontrá-lo em muitos
países espalhados por todos os continentes. Descobriram duas variações
dessa terrível arma biológica. O Fundamentalismus Políticus, que é
usado principalmente pelos governantes, e o Fundamentalismus Divinus,
que vem camuflado dentro dos livros sagrados das três religiões
monoteístas, e cujo veneno destrói a capacidade de raciocínio dos afetados
até impedi-los de discernir entre o que é certo e o que está errado.
Segundo os relatórios dos inspetores, essas duas armas - quando usadas
simultaneamente - provocam grandes catástrofes humanas, como a Inquisição,
o Holocausto, Vietnam, Kosovo, Afganistão, Palestina, os ataques suicidas
contra Israel, os bombardeios indiscriminados, e similares.
* A INSOLIDARIEDADE
Neste caso os inspetores enfrentaram muitas dificuldades na hora de
quantificar os estoques desta arma, porque ela está majoritariamente
depositada nas sedes governamentais dos chamados países ricos.
Toda classe de empecilhos foram criados pelos referidos governos para que
a inspeção não pudesse obter resultados concretos e/ou incriminatórios.
Os inspetores apenas conseguiram constatar a presença de uma grande falta
de respeito pelas minorias, de muito desprezo pelos pobres y de uma enorme
indiferença pelos doentes sem recursos.
Também foi encontrada nos arquivos secretos do Poder uma ordem-de-serviço
assinada pelo Grande Líder, na qual se insiste na necessidade de destruir
os possíveis antídotos que pudessem eliminar as diferenças, erradicar a
pobreza e/ou reduzir o preço dos remédios e do atendimento médico.
* A POBREZA
Visitando os países nos quais se sabia de fontes não tão secretas que
existiam grandes quantidades desta poderosa arma de destruição em massa,
os inspetores não precisaram trabalhar muito para comprovar que a suspeita
tinha fundamento.
A arma - segundo esses relatórios - geralmente vem escondida dentro dos
salários miseráveis ou na inexistência dos mesmos. Nesse segundo caso, com
o tempo a Pobreza sofre mutações genéticas e se transforma em Miséria,
cujos efeitos são degradantes e letais.
* A DISCRIMINAÇÃO RACIAL E RELIGIOSA
Neste particular, as provas falam por si mesmas. O inspetor judeu teve sua
entrada proibida na Síria. O Inspetor preto foi barrado no aeroporto de
Estocolmo. O inspetor muçulmano foi preso em Tel-Aviv. O inspetor ateu foi
proibido de inspecionar o Vaticano.
Sei que essas não são todas as armas de destruição em massa ao alcance dos
governos totalitários, dos governantes megalomaníacos, dos aproveitadores
profissionais, dos ditadores de turno, dos falsos Messias. Mas sei que
descobri-las e catalogá-las é o primeiro passo que podemos e devemos dar
para voltarmos a ser plenamente humanos, construindo um mundo no qual
viver seja um prazer obrigatório, e ser feliz uma possibilidade ao alcance
de todos.
(08 de fevereiro/2003)
CooJornal
no 301