16/08/2020
Ano 23 - Número 1.185





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BRAZ CHEDIAK 



 

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Braz Chediak


É APENAS UMA VIAGEM



Algumas coisas ficam gravadas em nossa memória, como por exemplo um tom de voz, uma frase, uma viagem, uma mulher. E é de uma mulher que estou me lembrando agora.

Há alguns anos fiz uma viagem ao Nordeste e, numa cidadezinha da Bahia, o ônibus parou para abastecer. Era madrugada, a cidade vazia, desci para tomar um café e, quando olhei para um sobradinho defronte à rodoviária, havia uma janela iluminada e uma mulher debruçada em seu parapeito.
Fiquei emocionado diante daquela figura solitária, daquele corpo feminino, e pela transparência do tecido vi que ela estava nua dentro do vestido. E uma mulher nua sempre me despertou ternura.
Ela estava sozinha, talvez sonhando com o milagre de um encontro. Talvez sonhando em partir.

O motorista avisou que o ônibus ia sair. Entrei e, através da vidraça, vi pela última vez aquele vulto, mas aquele momento me acompanharia para sempre.

Somos feitos de pequenos momentos, que formam nossa alma, que formam nossa vida. Não apenas coisas vistas, mas também coisas imaginadas... Quantas e quantas vezes imaginei cenas de encontro ou cenas de despedidas. Quantas e quantas vezes parei numa esquina qualquer para observar uma criança fazendo malabares, ou uma mulher grávida pedindo um pão. Uma mulher grávida, como a mulher nua, também me desperta sentimentos de ternura. Nada me parece mais sublime, mais triste que uma mulher grávida.

Vinícius de Moraes dizia que “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontros pela vida”. E esses seres desencontrados, solitários são meus companheiros de viagem.
São estes vultos que estão debruçados nas janelas, que estão dando adeus nas plataformas ou partindo em silêncio, que me acompanham, para sempre, na memória, até que, um dia, pegarei o último ônibus e partirei também.
Mas quando parar no ponto final, na grande estação onde todos se encontram, eles, os vultos, se aproximarão e poderei reconhece-los. Então, neste dia, ninguém dará adeus. E todos nos reuniremos abraçaremos e cantaremos juntos.
E se, mesmo ali, uma mulher aparecer sozinha em qualquer janela do infinito nós a aplaudiremos, daremos vivas, e a convidaremos a cantar conosco. E cantaremos uma canção de louvor, uma canção de alegria, uma canção cuja letra dirá que a viagem foi bela.
E valeu a pena.



- Comentários sobre o texto  podem ser enviados, diretamente, ao autor:  brazchediak@gmail.com


Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG


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