16/06/2020
Ano 23 - Número 1.177
ARQUIVO BRAZ CHEDIAK
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Braz Chediak
QUANTA FALTA NOS FAZ
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Ultimamente não temos muitos motivos de alegria – a não ser a alegria
virtual de ver pelo Whatsapp um neto distante, uma fotografia antiga
enviada por algum amigo...
O isolamento nos dá oportunidades de
reflexão, de boas leituras, bons filmes, mas o que mais vemos são
publicações de ódio, no Facebook, no twitter, etc., que nos desviam da
nossa essência.
Ontem um amigo telefonou pedindo emprestado “Os
Irmãos Karamazov”. Disse que mandaria um motoboy buscar.
Ao pegar
o romance na estante, como é meu costume folheei-o e comecei a reler
pequenos trechos que marquei à caneta e vi o conselho do Staretz Zózimo:
“... Meus amigos, peçam a Deus a alegria. Sejam alegres como as
crianças, como os passarinhos dos céus... No silêncio da tua cela
prosterna-te com amor e beija a terra. Ama incansavelmente,
insaciavelmente a todos e a tudo; procura este êxtase e esta exaltação.
Banha a terra com lágrimas de alegria, ama essas lágrimas.”
Fechei
o livro e me lembrei de uma noite em que, bêbado, vi na mulher que amava a
imagem da perfeição, física e espiritual. Não me bastava abraça-la,
beijá-la, lamber seu rastro, transar com ela. Eu queria algo mais, queria
sacramentar aquele momento de beleza.
Era tarde, talvez duas ou
três horas da noite, e saímos por Ipanema à procura de um padre para nos
casar.
Fomos à Igreja da Paz e acordamos o reverendo na casa
paroquial. Expliquei a ele o que desejávamos e falei de nosso amor
desesperado. Ele fechou a cara e a porta. O isolamento que deveria ter no
claustro não o levara à compreensão, não foi alegre conosco, não beijou a
terra onde dois jovens apaixonados pisaram. Ao contrário, senti em seus
olhos o ódio. E tive pena.
Agora, diante do computador, depois de
ler, nas Redes Sociais, agressões à esquerda e à direita, pensei: quanta
falta nos faz um Dostoiévski, um Nelson Rodrigues, estes gigantes que
compreenderam tão bem os Seres Humanos!
Quanta falta nos faz amar
nossas próprias lágrimas quando nos emocionamos com um poema, com uma
canção, com um casal abraçado no frio da madrugada.
Quanta falta
nos faz sorrir ao receber o abraço, mesmo que seja virtual, de uma
criança, de uma mulher, de um amigo.
Quanta falta nos faz um amor
desesperado.
Quanta falta nos faz compreender que tudo isto faz
parte da vida.
Da nossa vida.
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
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