16/12/2019
Ano 22 - Número 1.153
ARQUIVO BRAZ CHEDIAK
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Braz Chediak
UMA VALSA NA MADRUGADA |
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Há tempos eu tinha um restaurante noturno onde recebia os amigos. Era um
ambiente agradável e ficava aberto até a madrugada. Uma noite, tempo
chuvoso, resolvi fech-lo mais cedo.
Estava apagando as luzes quando
parou um carro e desceu uma jovem, muito jovem, e me cumprimentou como se
me conhecesse. Expliquei que não estava servindo mais bebidas (ela parecia
ter uns 16 anos, era menor) e que a cozinheira já tinha saído. Não se
incomodou. Abriu um bonito sorriso e disse:
“Não quero beber nada.
Vim dançar uma valsa com você, Braz. Tem alguma fita de valsa?”
Não
sei dançar. Sou desajeitado, mas diante do inusitado convite coloquei a
tal fita e dançamos. Foram vários minutos de grande ternura, de grande
delicadeza...
O tempo passava rápido e de repente ela deu um grito
alegre: “Olha que bonito, está amanhecendo”. Beijou-me o rosto, foi até o
carro e, enquanto abria a porta, gritou: “Obrigada. Estou feliz!”
E
partiu, para sempre. Não sei seu nome, nem de onde veio, nem para onde
foi. Era apenas uma garota que desejava dançar comigo, um homem de
cinquenta e tantos anos...
Mas por que conto esta história que
parece absurda? Talvez porque está uma dia triste e chuvoso, como naquela
noite triste e chuvosa. Talvez porque li uma postagem da Patricia Spohr
onde ela diz que:
“Se eu pudesse agora, produziria a minha arca de
Noé, chamando todos e tudo que amo, pessoas, bichos, plantas e árvores,
flores e música, o sol e a lua e o barulho das ondas, e zarparia daqui
rumo à um mundo novo, um planeta gentileza em formato de coração, pulsando
feliz por nos receber”...
E a mim também deu vontade de produzir
uma arca e partir à procura de tantas pessoas que passaram por minha vida
e me fizeram bem. Pessoas tão despidas que não disseram nem seus nomes,
não desejaram nada além de dançar uma valsa, que apenas me deram um
abraço, um beijo no rosto e desapareceram deixando para sempre a
felicidade de uma memória, de um toque, de uma certeza que um dia nos
abraçaremos, todos, e dançaremos sem nos importar com a noite, sem nos
importar com o dia.
Sem nos importar com a vida.
Braz Chediak,
cineasta e escritor
Três Corações, MG
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